Teologia e Humildade

Daniel Lima

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A conversa começou leve e agradável. Éramos dois amigos discutindo um tema no qual não concordávamos. Eu tinha lido a respeito, assim como meu amigo. Conforme a conversa evoluiu, meu amigo começou a fazer piadas sobre minha posição. Nada inadequado – afinal, humor faz parte de toda amizade. No entanto, eu comecei a sentir uma mudança no tom da conversa. Não estávamos mais apresentado argumentos sobre um tema, estávamos defendendo uma posição contra outra (ênfase no contra!). No final, a conversa foi interrompida devido a outros compromissos, mas eu saí me perguntando o que havia ocorrido em meu coração e, mais importante, porque, ao invés de sair edificado ou com mais paixão por Deus, eu saí com raiva e com vontade de acumular mais argumentos contra a posição do meu amigo?

Não se engane, creio que contribuí para que a conversa azedasse. Minha reflexão, no entanto, me levou a ler mais sobre o tema e a assistir uma palestra de uma autoridade nacional que defende a mesma posição de meu amigo. Com a tranquilidade da internet, eu reparei que os argumentos apresentados eram brilhantes, mas o tom era de combate. Este excelente preletor não estava defendendo mais um aspecto a respeito dos atributos de Deus, ele estava em uma cruzada contra os infiéis!

O mais chocante é que, se alistarmos as crenças fundamentais da fé cristã, eu e ele concordaríamos com mais de 90%. No entanto as piadas discretas, os argumentos claramente unilaterais (o que eu esperava de uma palestra na internet?) e mesmo interpretações que, apesar de possíveis, não esgotavam as possibilidades, deixaram-me com um gosto ruim na boca.

O que nos leva a defender nossas posições teológicas de maneira a ofender, ridicularizar, diminuir ou fazer piada de quem pensa diferente? Será que nos achamos tão melhores? Será que consideramos realmente ridículas as opiniões diferentes? E mesmo quando identificamos falhas no processo de pensamento daqueles que têm opiniões diferentes, isso nos dá o direito de atacá-los?

Curiosamente, o capítulo 2 de Apocalipse, na carta à igreja de Éfeso, encontramos uma exortação que vale a pena observar:

2Conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos mas não são, e descobriu que eles eram impostores. 3Você tem perseverado e suportado sofrimentos por causa do meu nome e não tem desfalecido. 4Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro amor. 5Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio. Se não se arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro do lugar dele.

João, transmitindo a mensagem de Cristo para esta igreja, elogia o fato de serem intolerantes com homens maus e de testarem mestres que afirmam ser apóstolos. Não só isso, mas esta igreja também tem suportado sofrimento sem desistir. Em resumo, é uma igreja exemplar, não? Na verdade, a mensagem continua e termina com a advertência de que, se não se arrependerem, Cristo retirará seu candelabro, ou seja, vai retirar sua influência, seu impacto no mundo. O que é que a igreja de Éfeso estava realizando que fazia com que, mesmo diante de rigor doutrinário e resistência no sofrimento, os desqualificaria? O verso 4 indica: “... você abandonou o seu primeiro amor”.

Esta era uma igreja cuidadosa da doutrina e que pagava o preço de sua ortodoxia, mas estava prestes a ser desqualificada por esquecer o amor. Na verdade, ortodoxia sem amor é fórmula segura de farisaísmo. Em Tito 2.10, Paulo afirma que devemos viver de forma que tornemos atraente o ensino de Deus. Nossa arrogância e hostilidade, mesmo quando biblicamente correta, afasta as pessoas da verdade. Neste caso estamos fazendo um desserviço ao evangelho. Em Efésios 4.15, mais uma vez Paulo nos exorta a seguirmos a verdade em amor e, assim, cresceremos de modo integral em Cristo.

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Ortodoxia sem amor é fórmula segura de farisaísmo.

Minha sincera oração é que sejamos mais e mais apegados à verdade a respeito de Deus. Que você e eu possamos aprender mais e constantemente a respeito de nosso Salvador. Mas, ao mesmo tempo, que sejamos caracterizados por uma atitude de amor, mesmo se tivermos que corrigir aqueles que, ao nosso ver, não entenderam ou mesmo distorceram a Palavra de Deus. Reflita sobre as palavras de Jesus registradas por João em seu evangelho: “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (13.35). O que nos torna conhecidos como discípulos de Cristo não é nossa ortodoxia, muito embora esta seja essencial, mas o modo como nos tratamos.

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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