Quando um desejo é pecado?
Todos temos desejos. Na verdade, nascemos com desejos, que às vezes nos surpreendem. Desejos são motivações poderosas e o processo de amadurecimento e socialização inclui o desenvolvimento de nossa capacidade de controlar nossos desejos. Tenho observado com carinho o poder dos desejos na vida de crianças pequenas. Quando confrontadas com ordens “cruéis” do tipo: “Vamos lavar as mãos para comer”, elas com frequência respondem com um argumento, aos seus olhos, irrefutável: “Mas eu não quero!”. Para essas crianças, nessa fase, o fato de não ser esse meu desejo deveria encerrar qualquer discussão. Seu raciocínio parece ser: “Afinal não determinamos nossas vidas com base no que eu quero?”.
Na verdade, muitos de nossos desejos devem ser controlados. Essa é a base da própria civilização. Com enorme frequência, não fazemos o que queremos, mas o que devemos ou o que é necessário. Isso, no entanto, não resolve a questão, pois nossos desejos permanecem. Um desejo não desaparece simplesmente porque não posso ou não devo atendê-lo. Pelo contrário, com frequência desejos assim se tornam ainda mais intensos.
No Novo Testamento, a palavra mais frequentemente usada para desejo é epithymía. Com grande frequência é traduzida por “maus desejos”. Por exemplo, na passagem de Tiago 1.14-15 (NVI):
“Cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido. Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ser consumado, gera a morte.”
Repare que o pecado não é o desejo em si, muito embora este possa ser mal dirigido (e portanto um mau desejo). No entanto, esse desejo mal dirigido é o que nos tenta, pois, ao invés de levá-lo a Deus para ouvir dele como satisfazê-lo, nós buscamos em nós ou no mundo estratégias para satisfazê-lo. Nesse momento, o desejo concebe o pecado.
O pecado não é o desejo em si, mas é o desejo mal dirigido que nos tenta, quando buscamos em nós ou no mundo estratégias para satisfazê-lo.
No campo da sexualidade, o desejo de satisfação sexual não é pecado. Na verdade, nem mesmo quando um cristão se sente atraído sexualmente por outra pessoa constitui pecado. No entanto, cuidado! Pois esse desejo está “grávido” do pecado e pode gerá-lo em nosso coração. Jesus ensinou a esse respeito na famosa passagem de Mateus 5.27-28: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Não cometa adultério’. Eu, porém, lhes digo: todo o que olhar para uma mulher com intenção impura, já cometeu adultério com ela no seu coração”.
A diferença do desejo sexual natural e do desejo pecaminoso está na intenção do olhar. Nosso corpo foi criado por Deus com mecanismos de atração sexual. No entanto, fomos também criados com responsabilidade de decisão. Essa responsabilidade foi profundamente afetada pela queda, quando decidimos que nós seríamos o critério do certo e errado. Assim, além da responsabilidade de decisão, temos também de decidir qual nosso critério de decisão.
Há um discurso de Deus para Caim que reflete bem essa responsabilidade de resistir ao pecado. Em Gênesis 4.6-7 lemos:
“Então o Senhor lhe disse: ‘Por que você anda irritado? E por que essa cara fechada? Se fizer o que é certo, não é verdade que você será aceito? Mas, se não fizer o que é certo, eis que o pecado está à porta, à sua espera. O desejo dele será contra você, mas é necessário que você o domine’.”
O pecado (desejo que busca ser realizado à revelia de Deus) não só busca como tem o poder de nos subjugar e é nossa responsabilidade dominá-lo. No entanto, a verdade é que somos impotentes para nos livrarmos do pecado. Por isso, a verdade e as promessas do evangelho são tão encantadoras. Paulo escreve em Romanos 6.22: “Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, o fruto que vocês colhem é para a santificação. E o fim, neste caso, é a vida eterna”.
“... se não fizer o que é certo, eis que o pecado está à porta, à sua espera. O desejo dele será contra você, mas é necessário que você o domine” (Gn 4.7).
Quando o desejo se torna pecado? No momento em que dirijo meu desejo a qualquer outra solução que não a solução de Deus. Na verdade, o problema não é meu desejo, mas como eu o conduzo, em que direção eu caminho para satisfazê-lo. Minha oração é que, movidos por uma crença na soberania, bondade e amor de Deus, ele se torne o alvo de todos nossos desejos. Que cada um possa seguir a verdade tão bem expressa por Davi em Salmos 37.4: “Agrade-se do Senhor, e ele satisfará os desejos do seu coração”.