Lidando com Culpa e Vergonha

Daniel Lima

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O despertador toca e você sabe que é hora de acordar e gastar um tempo com Deus, mas a cama está muito boa, você está cansado e, afinal, o dia será longo. Então você decide dormir mais alguns minutos, enquanto ouve no fundo de sua mente: culpa!

No trabalho, você se dá conta de que tem uma tarefa que precisa entregar hoje e não se dedicou completamente, mas agora não terá tempo. Portanto, você entrega uma versão abaixo do seu potencial. Contudo, está entregue, não? Mais uma vez você ouve em sua mente: culpa!

No intervalo você verifica suas redes sociais e descobre que o aniversário daquele amigo foi ontem e você não deu parabéns. Você escreve rapidamente e diz que o dia foi muito corrido. Culpa!

Outro amigo pediu para conversar, mas você está correndo e não tem tempo, ou pior, sabe que a conversa será desgastante. Assim, você novamente adia o encontro. Culpa!

Na hora do almoço, você sabe que se comprometeu a cuidar da alimentação, mas aquela sobremesa a mais está tão boa... Você decide comer com a promessa de que amanhã levará a sério sua dieta. Culpa!

A culpa pode ter tanto um aspecto paralisante quanto um aspecto saudável.

Você percebe como poderíamos continuar alistando essas situações imaginárias (ou nem tanto)? O fato é que convivemos com uma leve e indistinta sensação de culpa. Alguns sofrem de culpa de forma patológica. Outros parecem conviver com uma sensação desagradável de que precisam se explicar o tempo todo... No entanto, a culpa pode ter tanto um aspecto paralisante quanto um aspecto saudável.

Culpa é um sentimento humano desde o jardim do Éden. É certo que o ser humano não sentia culpa antes da Queda. Na verdade, lemos sobre a primeira vez que a culpa invadiu o coração humano logo após a Queda:

“Então os olhos de ambos se abriram; e, percebendo que estavam nus, costuraram folhas de figueira e fizeram cintas para si. Ao ouvirem a voz do Senhor Deus, que andava no jardim quando soprava o vento suave da tarde, o homem e a sua mulher se esconderam da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. E o Senhor Deus chamou o homem e lhe perguntou: – Onde você está? Ele respondeu: – Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi.” (Gênesis 3.7-10)

Quando perceberam que estavam nus, o homem e a mulher logo se cobriram. Essa descrição é muito reveladora, pois é óbvio que eles sabiam que estavam nus antes da Queda. A novidade foi uma sensação de inadequação. Uma sensação de que estar nu não era correto – uma sensação de culpa e de vergonha. Também é muito reveladora a solução encontrada para essa sensação: eles se cobriram. Cobrir-se não solucionou o problema, apenas ocultou o que eles julgavam inadequado. Culpa e vergonha com frequência nos levam a ocultar o que julgamos ser inadequado. Inventamos desculpas e apresentamos (nem que seja somente para nós mesmos) argumentos que justifiquem nossos erros ou inadequações.

Culpa e vergonha com frequência nos levam a ocultar o que julgamos ser inadequado. Inventamos desculpas e apresentamos argumentos que justifiquem nossos erros ou inadequações.

No entanto, culpa e vergonha não são a mesma coisa. O professor Dan DeWitt escreve: “Culpa é, em geral, ligada a um evento: eu fiz algo errado. Vergonha é ligada a uma pessoa: eu sou mau. Culpa é a ferida, vergonha é a cicatriz. Culpa é isolada ao indivíduo, vergonha é compartilhada”[1]. Na passagem de Gênesis acima, vemos o homem se escondendo de Deus; agora, quando o Criador o chama, ele confessa seu medo por estar nu (repare que seu medo não é por seu pecado, mas pela consequência). Não só isso, mas logo depois, no verso 12, ele faz o que fazemos com tanta frequência: passa a culpa adiante. Adão transfere sua culpa para a mulher e para Deus.

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Não estaremos nos baseando em algo que ofendeu a natureza de Deus toda vez que sentirmos culpa. Existem momentos em que nossa culpa se baseia em expectativas pessoais, muitas vezes irreais. A expectativa de ter filhos perfeitos, por exemplo, certamente leva pais cristãos a lidar com o sentimento da culpa quando seus filhos se mostram aquém daquilo que sonharam. Dessa forma, podemos entender que existe culpa verdadeira e culpa “falsa”. A sensação ou os sentimentos são iguais, mas sua origem e solução, não. Segundo a escritora Valorie Burton:

“Em uma perspectiva espiritual, a culpa falsa é uma arma que o Inimigo usa para roubar sua alegria, condenar a própria essência de quem você é e mesmo matar seus sonhos. [...] Ao contrário de uma culpa autêntica, a culpa falsa é um sentimento e não um fato. É a condenação que sussurra: ‘Você não é bom ou boa o suficiente. Você não está fazendo o suficiente. Você nunca faz nada certo. Você precisa pagar por seus erros’.”[2]

Tenho refletido que a culpa falsa tem algumas características que nos ajudam a identificá-la: (1) baseia-se frequentemente em coisas fora de seu controle; (2) baseia-se em expectativas humanas (suas ou de outra pessoa) frustradas e não de Deus; e (3) baseia-se mais em reações de pessoas do que numa quebra de princípios.

No entanto, a culpa também pode ser autêntica. Davi derrama seu coração diante de Deus ao confessar sua culpa nos Salmos 32 e 51. A culpa autêntica nos leva a um arrependimento autêntico e, por fim, à liberdade. Ao invés de nos levar a falsas desculpas e isolamento, a culpa autêntica – quando tratada diante de Deus – nos leva a um relacionamento mais íntimo com o Pai e a uma gratidão maior pela graça dele.

Minha oração é que tanto você quanto eu possamos examinar nossas sensações de culpa, nos livrando das culpas falsas e trazendo aos pés da cruz aquelas que são autênticas.

 

Notas

  1. Dan DeWitt, “The Difference between Guilt and Shame”, The Gospel Coalition, 19 fev. 2018. Disponível em: https://www.thegospelcoalition.org/article/difference-between-guilt-shame/.

  2. Valorie Burton, “Authentic Guilt vs False Guilt”, FaithGateway, 31 ago. 2021. Disponível em: https://www.faithgateway.com/authentic-guilt-vs-false-guilt/#.YUHfdZ1KiUk.

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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