Identidade e Fidelidade

Daniel Lima

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Ao ouvir a história minha sensação foi de cansaço e tristeza. Mais um líder que abandona a jornada. Não foi um pecado escandaloso, nem uma heresia gritante, foi apenas um cansaço e um desânimo que fez com que ele, após anos de serviço, simplesmente optasse por uma postura distante, um pouco cínica e não comprometida. Ou seja, as dores de um ministério formal ou informal o fizeram escolher um padrão de vida de menos compromisso. Espero com sinceridade que isso pare por aí e não progrida para uma vida de pecado ativo. 

Tenho acompanhado e ministrado na vida de muitos líderes. Tenho lido e estudado o que faz com que um cristão se mantenha fiel e servindo ao longo da vida. Na verdade, entendo que manter-se fiel é manter-se servindo. Afinal, nosso chamado não é meramente para uma vida de conforto lá no céu, mas de engajamento em um serviço ativo decorrente de uma íntima comunhão com o Senhor! Embora pudéssemos olhar esse tema da fidelidade contínua de muitas formas, nos últimos dias tenho pensado em quatro palavras: Identidade, Intimidade, Integridade e Interação.

Identidade, pois é fundamental que tenhamos um bom conhecimento de quem somos e daquilo que somos capazes, tanto para o bem como para o mal. É importante conhecermos quem nos tornamos uma vez que nos convertemos. Compreender nossa identidade em Cristo é fundamental para continuarmos a caminhar com ele ao longo da vida. Intimidade, pois uma vez que nos tornamos discípulos, nosso alvo é nos tornarmos como o Mestre. Ou seja, seguir a Jesus é uma vida de contínua busca por comunhão com ele. Integridade, pois diante de quem somos e de quem ele é, somos chamados a tomar decisões pessoais e de serviço. Integridade significa não apenas ouvir a voz de Deus, mas também segui-la. Por fim, Interação. Vivemos em relações com outras pessoas. Podem ser relação íntimas ou distantes, mas estamos constantemente interagindo com outros. 

É fundamental que tenhamos um bom conhecimento de quem somos e daquilo que somos capazes, tanto para o bem como para o mal.

Deixe-me falar hoje sobre Identidade. O famoso teólogo João Calvino afirmou: “Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como verdadeiro e sólido conhecimento, consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos”[1]. O raciocínio é que se não nos conhecemos não podemos conhecer a Deus, ou na verdade qualquer outra verdade fundamental. Ao mesmo tempo, como Deus é a fonte de toda a verdade, mesmo o autoconhecimento deve partir de uma perspectiva daquilo que Deus tem revelado.

Essa perspectiva é expressa repetidamente nos Salmos. Um exemplo clássico é quando Davi, no salmo 139, após discorrer sobre o quanto Deus o conhece, até mesmo antes de qualquer palavra ser proferida – ele já sabe o que vamos dizer –, conclui nos versos 23 e 24:

Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.

Deus é, ao mesmo tempo, aquele que pode me dizer quem sou, apontar minhas inquietações e pecados e também dirigir minha vida. Essa perspectiva é muito importante em um mundo onde o que sou é imutável e governa minha vida. A Bíblia ensina que o que sou pode e deve ser avaliado e corrigido e uma nova identidade pode ser moldada a partir de uma relação com o Deus criador e Redentor.

Na verdade, a promessa de uma vida transformada é a própria chave da vida cristã. Não somos salvos para uma vida de contínuo esforço para nos tornarmos um pouco melhores. Somos chamados para uma nova vida. Paulo expressa isso claramente em 2Coríntios 5.17:

E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas.

Temos uma nova identidade. Não precisamos mais viver o que recebemos de nossos antepassados ou o resultado de nossas próprias escolhas. Com certeza enfrentamos consequências de injustiças praticadas contra nós por outros ou mesmo injustiças que nós mesmos praticamos e que tiveram efeito sobre nós. Pedro afirma que fomos “resgatados da vida inútil que [nossos] pais [nos] legaram” (1Pedro 1.18).

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A Bíblia ensina que o que sou pode e deve ser avaliado e corrigido e uma nova identidade pode ser moldada a partir de uma relação com o Deus criador e Redentor.

Talvez uma das perguntas mais importantes que devemos fazer ao estudarmos sobre nossa identidade é quem somos após nossa conversão. Trazemos características dadas por Deus, cada uma delas preparada para que possamos caminhar com ele. Ao mesmo tempo, ao longo de nossa história, sofremos feridas e tomamos decisões que nos marcaram, mas não devem determinar como devemos viver. O próprio apóstolo Paulo considerava toda sua herança cultural e religiosa e todas suas conquistas e realizações como perda, uma vez comparadas à suprema grandeza do conhecimento de Cristo (Filipenses 3.7-11).

Minha oração é que neste novo ano, mais do que termos um país melhor, o fim da pandemia ou evolução na economia, seja um ano em que eu e você nos dediquemos a nos conhecermos mais à luz da Bíblia. Um ano para entendermos melhor quem Deus nos fez, quais as distorções que carrego e qual minha nova identidade em Cristo. Esse sim será um passo em direção à uma vida mais próxima de nosso Deus, um passo a mais em construir uma história de fidelidade duradoura!

 

Nota

  1. João Calvino, Waldyr Carvalho Luz (trad.), Institutas da Religião Cristã, I:I:1.

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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