Formação Espiritual: Ser Conformado

Daniel Lima

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Todo ser humano luta com um certo nível de insatisfação com quem é. Não apenas no aspecto estético ou em suas posses, mas em sua essência. O ser humano está sempre procurando ser alguém melhor, colocar em prática seus valores mais nobres. No entanto, todos falhamos miseravelmente. Com isso há pelo menos três reações muito comuns. A primeira é a hipocrisia, em que o ser humano disfarça suas falhas e tenta mostrar que é melhor do que é. A segunda reação é a justificativa, em que o ser humano continua afirmando altos valores morais mas apresenta justificativas de como, em seu caso, um desvio é não só aceitável, mas talvez até a única opção que lhe restou. Por fim, a terceira reação é o cinismo, em que o indivíduo simplesmente afirma que nada importa, não há certo ou errado e que sua opção é extrair da vida seu maior prazer e evitar o máximo de dor.

Essas reações negam ou evitam uma das doutrinas centrais do cristianismo, que é a Queda. Ou seja, o ser humano, apesar de ter sido criado à imagem de Deus (Gênesis 1.26-27), voluntariamente desobedeceu a Deus. O que ocorreu naquele momento foi muito mais que uma escolha equivocada. Houve uma mudança na própria natureza humana. O ser humano que foi criado com escolha, ou livre-arbítrio, agora tornou-se refém desta escolha. Ao aceitar o convite da serpente e tomar do furto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o ser humano decidiu assumir o papel de quem decide o que é bom e o que é mau. Com isso, conforme o que Deus já havia alertado (Gênesis 2.16-17), o ser humano morreu.

O que significa afirmar que o ser humano morreu? Certamente a vida humana não cessou. O apóstolo João, milênios depois do evento, traz luz sobre o que aconteceu: “E este é o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida” (1João 5.11-12). Com a queda, o ser humano se desconectou de Deus, assumindo uma autonomia que, em última instância, o condena à morte. Essa condenação não é um ato de Deus, muito embora esteja no âmbito de sua vontade. O fato é que Deus é a própria vida; não há vida, em seu sentido pleno, a não ser nele. Assim, ao se desconectar, o homem perdeu esta vida eterna (veja João 17.1-3).

A formação espiritual é um processo de “ser conformado” e não de “conformar-se”.

No primeiro artigo desta série, escrevemos sobre o fato de que nosso crescimento espiritual não é instantâneo, mas gradual e resultado de uma contínua obediência. Como ponto de partida, usamos a definição de Mulholland sobre formação espiritual: “Formação espiritual é o processo de ser formado à imagem de Cristo, em favor dos outros”. [1]

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Um segundo aspecto desta definição é o fato de que a formação espiritual é um processo de “ser conformado” e não de “conformar-se”. Nossa sociedade exalta aquele que mantém a vida sob controle. Aquele que se levanta contra as adversidades e se torna uma pessoa melhor. O desejo de se tornar alguém melhor é realmente louvável, mas se choca com as palavras de Jesus em João 15.5: “Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma”.

Esse verso deixa claro que Deus realmente espera de nós uma vida diferente; mais do que isso, ele sabe que a vida que hoje temos não é vida, é sobrevida. Nossa insatisfação deve-se ao fato de que não vivemos a vida para a qual fomos criados. No entanto Deus também sabe que o poder para mudar não está em nós; na verdade, ele expressa isso muito claramente no final do verso acima: “... sem mim vocês não podem fazer coisa alguma”.

O processo de crescimento espiritual não é resultado de meus esforços, mas de uma resposta minha diante do mover de Deus.

Em uma sociedade na qual somos definidos pelo que fazemos, na qual a extensão de nosso controle sobre nossa própria vida é apontada como o mais nobre ideal, o que ocorre quando descobrimos que não controlamos nossas vidas, nem sequer controlamos mudanças em nós mesmos? O resultado se vê em depressões, crises de ansiedade, nas mais variadas síndromes... Ou seja, por mais que tentemos, o máximo que conseguimos é uma vaga ou passageira mudança de coração.

Por isso o processo de crescimento espiritual não é resultado de meus esforços, é resultado de uma resposta minha diante do mover de Deus. Ele age, eu respondo. Ele confronta, eu me arrependo. Ele consola, eu descanso. Em resumo: ele faz, eu me submeto. 

Minha oração, por você e por mim, é que – no processo de sermos mais e mais como Cristo – possamos descansar no papel reativo diante do Senhor. Isso não significa passividade ou inatividade. Eu me confronto como Paulo, pois reconheço a miséria que sou; contudo, também descanso, pois sei como sou amado (Colossenses 1.29). E, à medida que me submeto, sou conformado à imagem de Cristo.

Nota

  1. M. Robert Mulholland, Invitation to a Journey: A Road Map for Spiritual Formation (Downers Grove,
    IL: IVP Books, 1993), p. 15.
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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