Exercendo Nossa Cidadania de Maneira Digna
Tenho ouvido com tristeza e uma boa dose de preocupação o que eu considero desvarios do atual governo. Não sou um defensor cego do governo anterior, mas as pautas do atual governo parecem ameaçar muitos dos valores que considero preciosos. Tenho também assistido muitos, inclusive cristãos sérios, que parecem identificar certas tendências políticas como uma ameaça ao cristianismo. Isso me preocupa, muito embora eu possa entender essa percepção. Uma ideologia que promove o aborto, que propaga que cada um pode definir sua sexualidade, desafiando abertamente a Deus, é um perigo, não é?
Sem dúvida é uma ameaça e devemos nos posicionar contra ela. No entanto, não é nem de longe a única ameaça. Acredito que, por essa razão, o apóstolo Paulo escreve em Filipenses 1.27: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho”. Em meu último artigo, “Encarando a Morte”, mencionei rapidamente que esse desafio lembrava os cristãos de Filipos a (1) manter um compromisso com o evangelho, (2) preservar a unidade na igreja e (3) proclamar com ousadia. Hoje quero pensar mais sobre o tema de “exercer a sua cidadania” com dignidade.
Estive refletindo sobre isso e cheguei à conclusão de que, ao longo de toda a história da cristandade, sempre estivemos sob ameaças. Ao estudar a carta de Paulo aos Filipenses é nítida a ameaça da cultura daquela cidade à fé cristã. A cidade havia sido transformada em colônia romana, sendo povoada por ex-legionários e outros servidores públicos que haviam recebido recentemente o status de cidadãos romanos. Esse status era fundamental para eles, pois garantia isenção de impostos, proteções legais, entre outros privilégios. Por isso a declaração de que “César é Senhor!” era fundamental aos habitantes daquela cidade. Diante disso, surge a fé cristã declarando que Jesus Cristo é Senhor. Não é surpreendente que em Filipos muitos cristãos tenham sido mortos das maneiras mais ofensivas possíveis.
Ao longo de toda a história da cristandade, sempre estivemos sob ameaças.
Quando o imperador Constantino tornou a fé cristã a religião oficial do império, a ameaça mudou de abordagem, mas continuou tão ou mais perigosa. Agora todos os cidadãos do império foram declarados cristãos, não importando suas crenças oficiais. Além disso, a liderança de igrejas se tornou uma função de poder, influência e riquezas, atraindo homens sem escrúpulos e definitivamente não convertidos de coração ao Senhor Jesus.
Ao longo da Idade Média, a igreja se ligou a tal ponto com os governos da Europa, que estes eram considerados “defensores da fé”, ou seja, usavam de sua força policial para forçar a população a se declarar cristã. Com isso, a grande maioria daqueles que se diziam cristãos tinham, no máximo, uma vaga noção do que significava seguir a Jesus, além de se submeter aos dogmas de suas igrejas.
Com o surgimento do Iluminismo e da liberdade religiosa, veio à tona ainda outra ameaça. A ideia difundida de que o homem era o árbitro de todas as coisas, ou seja, o homem era o centro do universo e qualquer ideia de um Deus soberano que determinasse padrões morais, civis ou éticos foi abertamente rejeitada. Dentro desse pensamento, surgiram tanto o capitalismo como o comunismo. Ambas as ideologias são humanistas e trazem em seu bojo ameaças à fé cristã.
O que faz uma grande diferença é o autoritarismo, o controle e a opressão que cada uma promove. A história do comunismo é fartamente documentada como opressora e violenta. A perseguição à fé cristã também é bastante documentada. No entanto, o que dizer do capitalismo? Seria este mais “cristão”? Em sua essência, não. O que temos testemunhado ao longo da história é que esse sistema, apesar do controle econômico e dos privilégios dos mais ricos, ainda permite uma maior liberdade do exercício da fé. No entanto, o testemunho das sociedades que mais têm promovido o capitalismo não é de valores alinhados com o cristianismo.
Nosso compromisso não depende das circunstâncias. Elas não podem mudar nosso procedimento.
Voltando à passagem de Filipenses, de que modo a exortação de Paulo nos atinge? Eu tiro pelo menos três lições dessas palavras:
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Nosso compromisso não depende das circunstâncias. Há uma frase que eu gosto muito: “Nosso compromisso é fazer o certo, não porque vai dar certo, mas porque é o certo!”. Paulo afirma que não importa o que aconteça, ou seja, quer ele continue preso ou seja solto, quer os filipenses sejam perseguidos ou não, quer nossos planos se realizem ou sejam frustrados... Essas circunstâncias não podem mudar nosso procedimento.
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Nossa cidadania não é desta terra! Na mesma carta aos Filipenses, Paulo escreve no capítulo 3, versículo 20: “A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo”. A implicação é tremenda. Não significa nos omitirmos ao mundo ao nosso redor, mas compreender que nosso papel é apenas proclamar e não se envolver a tal ponto que percamos a noção de qual é nosso verdadeiro compromisso (vide 2Timóteo 2.3-7).
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Nosso proceder deve ser digno do evangelho. A palavra original para digno era usada para significar algo com o mesmo peso, dessa forma algo correto, adequado, com um peso equivalente ao declarado. De uma forma muito clara, Paulo nos desafia a vivermos de uma forma equivalente ou de acordo com o próprio evangelho. Isso significa agir com graça, verdade e amor. Infelizmente, com muita frequência, cristãos vivem uma vida que não tem o peso do evangelho.
Minha oração é a mesma de Paulo. Não importando as circunstâncias, que nossa vida reflita o evangelho, pois não somos daqui. Esperamos pelo dia em que nossa verdadeira identidade será plenamente revelada por meio da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.