Entendendo a Dúvida

Ron J. Bigalke

Compartilhe:  Compartilhar no WhatsApp Compartilhar no Facebook

A dúvida é um sentimento de incerteza. Para o cristão, essa incerteza pode surgir quando consideramos Deus ou o nosso relacionamento com ele. Davi implorou uma vez: “Até quando, Senhor, te esquecerás de mim? Será para sempre? Até quando esconderás de mim o teu rosto?” (Sl 13.1). Uma razão por que muitos cristãos acham difícil responder à dúvida é que eles consideram essa incerteza como sendo exclusivamente sua. Embora possa ser fácil pensar naqueles a quem Deus usa mais efetivamente como sendo quase perfeitos, nada poderia estar mais longe da verdade.

Os personagens das Escrituras eram pessoas autênticas, que experimentaram muitas das mesmas lutas que outros têm medo de admitir. Jeremias, por exemplo, foi um dos maiores profetas do Antigo Testamento; contudo, apesar de toda sua coragem, ele também estava sujeito a períodos de grande depressão. Jeremias era maltratado com frequência, e sua vida estava constantemente em perigo. Mais do que qualquer outro santo do Antigo Testamento, ele sabia o significado de “tomar parte nos... sofrimentos [de Cristo]” (Fp 3.10). Por essa razão, não deveria ser chocante ler o lamento do profeta como segue: “Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu e prevaleceste. Sou ridicularizado o dia inteiro; todos zombam de mim” (Jr 20.7, NVI).

Abraão – o próprio exemplo de justiça por meio da fé – se cansou de esperar que Deus cumprisse sua promessa de um descendente naquilo que é conhecido como a aliança abraâmica de Gênesis 12. Deus havia prometido a Abraão que seus descendentes seriam uma benção para toda a terra (Gn 12.2-3), e que ele faria sua descendência tão numerosa quanto “o pó da terra” (13.16). Abraão tinha aproximadamente oitenta anos de idade quando disse: “Senhor Deus, que me darás, se continuo sem filhos?” (15.2a). Se ele morresse, o único herdeiro de sua casa seria Eliézer (v. 2b). Abraão estava preocupado com o resultado do plano de salvação mundial de Deus. O Senhor havia feito uma promessa graciosa, mas parecia não estar fazendo nada. Abraão e Sara estavam envelhecendo e ficando cheios de dúvidas.

Moisés se cansou de assumir a responsabilidade pela comunidade do deserto, então expressou vigorosamente seus sentimentos a Deus, perguntando por que o Senhor fizera mal ao seu servo e por que parecia que ele não tinha o favor divino (Nm 11.11). A promessa de Deus de fornecer carne era uma resposta à reclamação de Moisés (v. 18). Este duvidou de que Deus seria realmente capaz de fornecer carne para uma multidão tão grande de pessoas, de forma que pudessem comer “durante um mês inteiro” (v. 21). Pensando em termos humanos, Moisés perguntou: “Quantos rebanhos de ovelhas e de gado teríamos de matar, para que tivessem o suficiente? Ou será que bastaria, se ajuntássemos para eles todos os peixes do mar?” (v. 22). A resposta de Deus serviu para lembrar Moisés da onipotência divina (v. 23; cf. Is 55.8-9).

O dr. Gary Habermas é um distinto professor pesquisador de apologética e filosofia, cujo livro Dealing with Doubt [Lidando com a dúvida] dá três exemplos de dúvida: (1) factual; (2) emocional e (3) volitiva. O tipo mais comum de dúvida é factual, que surge de uma falta de informações. A dúvida factual é evidente na pergunta de Maria ao anjo Gabriel com respeito à possibilidade de ela conceber uma criança sem ter “relações com homem algum” (Lc 1.34). A solução à dúvida factual é a revelação das Escrituras. Conta-se frequentemente a história de que quando alguém perguntou a Agostinho o que Deus estava fazendo no tempo infinito antes da criação do mundo, o pai eclesiástico respondeu com raiva: “Deus estava criando o inferno para pessoas que fazem perguntas assim”. Alguns consideram a resposta de Agostinho engraçada, enquanto outros a veem como a ilustração perfeita de como a religião desencoraja perguntas e, em vez disso, exige uma fé cega.

A verdade é que Agostinho nunca indicou ser errado ter questionamentos e fazer súplicas sinceras a Deus por entendimento; pelo contrário, ele criticava severamente quem condenasse isso. Ele desejava levar a sério perguntas instigantes, e recusava-se a “fugir do ponto da questão” por meio de uma “resposta frívola”. Santo Agostinho disse: “Mas uma coisa é zombar do questionador, e outra é encontrar a resposta. Por isso, eu me abstenho de dar essa réplica. Pois em questões nas quais sou ignorante, prefiro assumir o fato a ganhar crédito ao dar a resposta errada e ridicularizar um homem que faz uma pergunta séria”.

O tipo mais frequente e doloroso de dúvida é a emocional; e é também a mais difícil de resolver.

Ao invés de considerar a fé como antitética a ter perguntas, Agostinho a considerava como um incentivo à investigação. Não se entende para crer; antes, a fé de alguém é para entender, pois esta é a recompensa de tal crença. Ter perguntas desafiadoras e súplicas sinceras para que sua mente seja informada – resultando assim em maior compreensão – não é algo a ser evitado. O intenso anseio de Agostinho por um maior entendimento das Escrituras é evidente em seus comentários sobre Gênesis 1.1 (“No princípio, Deus criou os céus e a terra”). Ele escreveu:

“Deixe-me ouvir e entender o significado das palavras: no princípio tu fizeste os céus e a terra. Moisés escreveu essas palavras. [...] Ele não está mais aqui e eu não posso vê-lo face a face. Mas se ele estivesse aqui, eu o agarraria e, em teu nome, imploraria e rogaria que ele me explicasse essas palavras. [...] Uma vez que não posso questionar Moisés, cujas palavras eram verdadeiras porque tu, a Verdade, encheste-o contigo mesmo, eu clamo a ti, meu Deus, que perdoes meus pecados e conceda-me a graça para entender essas palavras. [...]”

Fugir de perguntas desafiadoras e que levam à reflexão por meio de uma réplica irreverente não é apropriado como resposta à dúvida factual. Fatos são a resposta a essa incerteza. A dúvida factual preocupa-se mais frequentemente com as evidências do cristianismo, como a existência de Deus e o problema da dor e do sofrimento; ou mesmo fatos históricos, como milagres e a autenticidade das Escrituras. A dúvida que é mais factual é geralmente resolvida se informações suficientes são fornecidas em resposta às suas questões. A dúvida factual é resolvida principalmente com fatos que fornecem as razões apropriadas para a fé. Portanto, o melhor remédio é um maior entendimento das Escrituras, pois o “leite” é nutritivo por um tempo, mas o “alimento sólido” sustentará uma pessoa a longo prazo (cf. 1Co 3.1-4; Hb 5.11-14). Se a dúvida é factual, a Palavra de Deus tem a resposta; e, se alguém ainda não confiou em Deus, é incumbência do cristão “responder... com mansidão e temor”, seguindo o exemplo de Jesus quando ele se defendeu (cf. 1Pe 3.15-16).

Se as respostas não são obtidas, perguntas factuais podem resultar em uma reação emocional, ou o que pode ser chamado de dúvida emocional. O tipo mais frequente e doloroso de dúvida é a emocional; e é também a mais difícil de resolver. A dúvida emocional geralmente surge de uma experiência dolorosa. O que pode ser considerado por alguns como os gemidos da vida (cf. Rm 8.18-25), pode ser debilitante para outros, de forma que pouco pode ser feito para oferecer consolo. A dúvida surge porque uma pessoa fica incerta quanto ao amor de Deus por ele ou por ela. A pessoa com dúvidas emocionais não necessita de fatos, pois ela tem dificuldade de crer naquilo que sabe ser verdadeiro, como resultado de interpretar os fatos de uma forma emocional. Quando uma pessoa conhece os fatos de uma situação, mas ainda luta com a dúvida, a razão é muito provavelmente uma causa emocional para tal incerteza.

Aqueles com dúvida emocional podem expressar as mesmas perguntas que aqueles com dúvida factual, embora o façam por motivos diferentes. Por exemplo, ambos podem expressar dúvida com respeito à ressurreição. Um pergunta a respeito de fatos que não possui, enquanto outro pergunta porque considera a possibilidade de estar errado. Normalmente, o maior indicador de que a dúvida é emocional é quando uma pessoa que está sofrendo responde às razões por que não deveria duvidar com uma questão que começa com: “E se...?”. A pessoa conhece os fatos da ressurreição, por exemplo, mas se pergunta: “E se ele estiver errado?”.

A dúvida não é descrença. O oposto de fé é descrença.

Como uma pessoa vence a dúvida emocional? Mudar o modo de pensar é a resposta. O livro de Romanos faz um contraste interessante entre o descrente e o crente. De acordo com Romanos 1, o descrente troca “a verdade de Deus pela mentira” (v. 25). Os crentes, todavia, devem apresentar seus corpos como “sacrifício vivo [e] santo” (12.1), que é a transformação pela “renovação da [nossa] mente” (v. 2). Um acredita em uma mentira, enquanto o outro muda a sua maneira de pensar. O humor de uma pessoa é alterado por aquilo que ela está pensando. A Palavra de Deus é verdadeira; consequentemente, aquele que tem dúvidas emocionais precisa parar de pensar erroneamente a respeito da verdade.

O tipo final de dúvida é volitivo, que pode ser uma pessoa com uma fé imatura, ou o questionamento sobre se a fé de alguém em Jesus é autêntica por esta ter ocorrido com poucos anos de idade. Outros exemplos podem incluir a indisposição em arrepender-se de pecado conhecido, ou de aplicar verdades bíblicas à sua vida. A forma mais extrema de dúvida volitiva é alguém que decide não acreditar. A dúvida não advém de falta de evidências; antes, é uma decisão pessoal de não acreditar em Deus, apesar das provas. Os líderes religiosos no tempo da primeira vinda de Cristo são exemplos de pessoas que voluntariamente rejeitaram as evidências tanto de cumprimento das Escrituras, quanto dos sinais milagrosos.

A dúvida não é descrença. O oposto de fé é descrença. Há uma diferença fundamental entre a incerteza de mente aberta da dúvida, e a certeza de mente estreita da descrença. É claro, a dúvida pode levar à descrença se não for resolvida. A descrença, contudo, é uma rejeição de Deus e de sua Palavra. A dúvida pode ocorrer na vida de um cristão; às vezes esta é factual ou emocional. Contudo, quando a dúvida é alimentada de forma volitiva, seja por meio de imaturidade espiritual ou expectativas irrealistas (p. ex., ter certeza absoluta para tudo), ela pode se manifestar em descrença. A dúvida não equivale automaticamente a descrença. Judas 22 diz: “E tenham compaixão de alguns que estão em dúvida”. As Escrituras prometem ao cristão que depende de Cristo pela fé que ele não ficará sobrecarregado por nada (1Co 10.13), o que certamente inclui a dúvida.

Compartilhe:   Compartilhar no WhatsApp Compartilhar no Facebook

Ron J. Bigalke (Ph.D., Tyndale Theological Seminary) fundou em 1999 a missão Eternal Ministries junto com sua esposa. Membro da diretoria do Ministério Chamada nos Estados Unidos, Bigalke colabora frequentemente em revistas, livros e artigos para a internet. Além disso, é o editor-geral de quatro obras. Sua ênfase atual está nas áreas de apologética, estudo bíblico, pensamento eclesiástico, historiografia, teoria política e teologia. Casado com Kristin, possui dois filhos.

Veja artigos do autor

Itens relacionados na livraria

Leia também

Conduta Exemplar
Conduta Exemplar
Ernesto Kraft
Como a submissão fortalece nossa fé
Como a submissão fortalece nossa fé
Daniel Lima
Contrastes de Uma Vida
Contrastes de Uma Vida
Daniel Lima
Ouvindo a Deus no meio do ruído
Ouvindo a Deus no meio do ruído
Daniel Lima
Dominando a língua (Parte 1)
Dominando a língua (Parte 1)
Norbert Lieth
Impedidos de Seguir a Jesus: Parte 3
Impedidos de Seguir a Jesus: Parte 3
Daniel Lima
Compartilhe:   Compartilhar no WhatsApp Compartilhar no Facebook

Destaques

A Cronologia do Fim dos Tempos

R$43,90

Manual de Escatologia Chamada

R$79,90

Atos

R$119,90

Liderando Mulheres em Conflito

R$39,90

Receba o informativo da Chamada

Artigos Recentes