Dupla Cidadania
Romanos 12.1 exorta os cristãos “pelas misericórdias de Deus... que ofereçam o seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês”. A linguagem usada não é banal; antes, ela reconhece uma realidade sempre presente dentro do antigo Império Romano, pois os imperadores podiam tirar a vida de qualquer pessoa.
Por exemplo, Herodes, o Grande, tentou tirar a vida do recém-nascido rei de Israel (Jesus) ao decretar o assassinato de todos os meninos de dois anos para baixo em Belém e suas redondezas (Mateus 2.16-18). O filho de Herodes, Herodes Antipas, celebrou seu aniversário ordenando a decapitação de João Batista (Marcos 6.14-29). Mesmo que Antipas gostasse de ouvir João (Marcos 6.20), ele deu a ordem “por causa do juramento e dos que estavam com ele à mesa” (Marcos 6.26). A vida de uma pessoa podia ser tirada de forma arbitrária no Império Romano.
Calígula e Tibério Gemelo foram inicialmente apontados como coimperadores. Quando mais tarde o senado e o povo escolheram Calígula como o único governante, este assassinou Gemelo. Calígula também matou seus parentes, torturou e matou pessoas enquanto comia, nomeou seu cavalo favorito como seu conselheiro, declarou ser um deus e dedicou sacrifícios e templos a si mesmo. Calígula foi assassinado, e seu tio, Cláudio I, tornou-se o imperador seguinte. Este delegou suas responsabilidades à sua esposa, Messalina, a quem mais tarde matou. Ele se casou com sua sobrinha, Agripina, a Jovem, que foi responsável por seu envenenamento. Antes de sua morte, Cláudio baniu todos os judeus de Roma, devido à inquietação dos crentes que proclamavam as boas novas de que a salvação de Deus é pela graça mediante a fé em Jesus Cristo (Atos 18.2).
Os mandamentos em Romanos 13 certamente eram relevantes para uma igreja que vivia sob o governo de imperadores assassinos.
Nero se tornou imperador depois da morte de Cláudio. Ele era a “autoridade superior” quando o livro de Romanos foi escrito (57 d.C.). Nero ordenou a morte de sua mãe (quando ele tinha 22 anos de idade), e mais tarde se divorciou e matou sua esposa. Ele instigou o grande incêndio que consumiu Roma em 64 d.C., contudo, culpou os cristãos. Consequentemente, ele torturou e matou cristãos publicamente, e eventualmente tirou a vida dos apóstolos Paulo e Pedro. Quando suas políticas foram questionadas, Nero cometeu suicídio em 68 d.C.
A perseguição incansável da igreja não cessou até Constantino emitir o Édito de Milão, em 313 d.C. Constantino acreditava que Deus lhe concedera vitória em batalha. À vista disso, ele mais tarde concederia privilégios e poderes tremendos à igreja, o que não foi bom, pois os cristãos se adaptaram aos paradigmas do governo imperial. A relação entre a igreja e o Estado tem provocado discussões interessantes desde essa época.
A introdução histórica de Romanos 13 é necessária para a compreensão das palavras desafiadoras dirigidas aos cristãos, não apenas no passado, mas também no presente. O versículo 1 ordena “que todos estejam sujeitos às autoridades superiores”, pois “as autoridades que existem foram por ele [Deus] instituídas”. Quando se considera a experiência da igreja primitiva, a dificuldade do mandamento bíblico é facilmente compreendida. Podemos imaginar os crentes se perguntando como era possível que governantes assassinos tivessem sido instituídos por Deus, e depois por que eles precisariam estar sujeitos a eles. Você também consegue imaginar as emoções e pensamentos da igreja quando o governante “cristão” (Constantino) se tornou imperador?
Romanos 13 é uma passagem bíblica importante para a igreja em todas os momentos, assim como o é toda a Escritura (2Timóteo 3.16-17). Os mandamentos ali contidos eram certamente relevantes para uma igreja que vivia sob o governo de imperadores assassinos. A instrução, contudo, também é necessária para entender que “autoridades superiores” não são eternas. Os cristãos estão destinados a uma herança eterna, a qual não se compara a nada nesta vida. Portanto, os crentes devem se submeter às autoridades, amar uns aos outros e comportar-se apropriadamente.
Cidadão da terra: obediência e respeito (Romanos 13.1-7)
Romanos 13 aborda a relação de “todos” no que diz respeito ao Estado. “Sujei[ção] às autoridades superiores” é especialmente aplicável ao cristão, pois este tem uma relação singular com o governo. Cristãos são cidadãos tanto da terra quanto do céu. Filipenses 3.20-21 lembra o crente de que a sua “pátria está nos céus”; portanto, o cristão pode apelar ao Salvador, assim como os filipenses podiam apelar a Roma por proteção.
O cristão também deve viver com expectativa e anseio pelo retorno do Senhor Jesus Cristo (que é a perspectiva habitual do cristão, cuja cidadania está no céu). A cidadania do crente significa que os cristãos têm responsabilidades espirituais únicas, que não são obrigatórias para todas as pessoas. Contudo, essa cidadania não diminui as responsabilidades para com o Estado. O cristão tem obrigações solenes com o governo e as autoridades no poder. Os versículos 1 a 7 delineiam as responsabilidades terrenas para com as “autoridades superiores”. Os versículos 8 a 14 revelam as responsabilidades espirituais que são obrigatórias para os cristãos.
A cidadania do crente significa que os cristãos têm responsabilidades espirituais únicas, que não são obrigatórias para todas as pessoas. Contudo, essa cidadania não diminui as responsabilidades para com o Estado.
Aquelas responsabilidades que são descritas em 13.1-7, no tocante aos governantes terrenos, estão diretamente relacionadas às admoestações imediatamente anteriores, em 12.9-21, e às posteriores, em 13.8-14. Em outras palavras, a instrução em 13.1-7 está relacionada ao contexto mais amplo. Com um termo carinhoso (“amados”), Romanos 12.9-21 ordena aos cristãos que “não façam justiça com as próprias mãos”. A razão para isso é que os cristãos devem amar “sem hipocrisia” e “abenço[ar] e não amaldiço[ar]”. O crente não deve pagar “a ninguém mal por mal”; antes, deve “ven[cer] o mal com o bem”. Romanos 13.8-14 retoma o tema do amor e ensina que o mandamento de amar uns aos outros é um débito perpétuo para o cristão.
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13.1-7 – cidadão da terra – ter obediência e respeito
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13.8-14 – cidadão do céu – ter amor e comportamento apropriado
O ensino bíblico a respeito do Estado é dado de forma estratégica, pois está emoldurado por duas seções que enfatizam a prioridade do amor (12.9-21; 13.8-14). Consequentemente, a ênfase é que o Estado não possui esse amor, contudo, o cristão individual obedece ao princípio do amor. O governo tem tanto o direito quanto a obrigação de realizar vingança, pois “é ministro de Deus”. A igreja não tem o direito de exercer vingança. O que é ilegítimo para o cristão individual é completamente legítimo e essencial para o Estado. Se o governo não exerce vingança, caos resultaria; os cidadãos comuns estariam sujeitos a impulsos individuais e ao domínio dos perversos. A ordem para estarmos “sujeitos às autoridades superiores” é um resultado enfático do princípio fundamental do amor.
A razão para essa sujeição é que “não há autoridade que não proceda de Deus”. Autoridades não derivam seu poder do consentimento dos governados; pelo contrário, a autoridade civil deriva de Deus (cf. Daniel 2.21; João 19.10-11). Cada ser humano é feito à imagem de Deus e tem a “lei [de Deus] gravada no seu coração, o que é confirmado pela consciência deles” (Romanos 2.15; cf. 13.5). Portanto, até mesmo legisladores não cristãos podem proibir o mal, sem perceber que o seu critério “para o bem” é derivado de Deus. O papel do Estado é proteger aqueles que obedecem à lei e punir os que infringem a lei. Provérbios 20.26 afirma: “O rei sábio peneira os maus e faz passar sobre eles a roda”. É claro, existem alguns momentos raros em que os cristãos não podem se submeter ao Estado (p. ex., Êxodo 1.15-22; Daniel 6; Atos 4.19-20). O cristão não pode desobedecer aos mandamentos de Deus, nem obedecer ao que seria contrário às Escrituras.
Cidadão do céu: amor e comportamento (Romanos 13.8-14)
A segunda metade de Romanos 13 explica as responsabilidades que os cristãos têm como consequência de seu relacionamento com Deus. Os versículos 8 a 10 revelam que a motivação primária para o comportamento cristão é o amor. O pensamento aqui retoma a discussão que concluiu o capítulo 12. Os cristãos não devem ficar “devendo nada a ninguém, exceto o amor de uns para com os outros”. Esse versículo deriva ênfase da afirmação imediatamente anterior, no versículo 7, de que se deve pagar “imposto” a quem o imposto é devido.
Impostos e dívidas são obrigações legais e é bom reduzi-los o máximo possível. Contudo, a obrigação espiritual do crente é amar os outros de uma maneira crescente e contínua. Nesse sentido, o amor é a única dívida que nunca deve ser considerada como inteiramente paga. A regra do amor é o princípio fundamental da lei do Antigo Testamento. Os cristãos devem amar a Deus e ao seu próximo. Apenas quando o amor é a motivação de alguém é que essa pessoa consegue cumprir suas responsabilidades para com Deus, com os outros cristãos, com a sociedade e com o Estado.
Apenas quando o amor é a motivação de alguém é que essa pessoa consegue cumprir suas responsabilidades para com Deus, com os outros cristãos, com a sociedade e com o Estado.
Os versículos finais de Romanos 13 fornecem um incentivo adicional para o comportamento apropriado: “Vai alta a noite, e o dia vem chegando” (v. 12a). O tempo de serviço nesta terra é, na melhor das hipóteses, curto. A consumação da “salvação está agora mais perto do que quando no princípio cremos” (v. 11). Os cristãos pertencem ao “dia”, enquanto vivem em um mundo que está em trevas espirituais. Consequentemente, os crentes devem viver considerando o futuro. A responsabilidade do cristão é ter uma mentalidade que antecipa a vida além do presente. Dia a dia, os crentes vivem em um mundo em trevas espirituais. Eles devem demonstrar e testemunhar com o seu comportamento que não pertencem a essas “trevas”. O cristão não pertence a este mundo; antes, o seu comportamento deve caracterizar o “vindouro” (Efésios 1.21). O comportamento como cristão – que é salvo somente pela fé/confiança em Cristo – deve ser uma prévia da era vindoura entre aqueles com quem este tem contato persistente.
Uma forma pela qual os crentes podem viver com vistas ao futuro é deixando “as obras das trevas” (13.12) que são listadas no versículo 13. Quando um cristão pratica esse mandamento, ele consegue viver uma vida que é agradável a Deus. Os crentes devem revestir-se “do Senhor Jesus Cristo e não fa[zer] nada que venha a satisfazer os desejos da carne” (v. 14). Quando essa ordem é obedecida, o cristão será vitorioso sobre as tentações – o pecado não terá nenhum meio de estabelecer uma influência fundamental. Louvado seja Deus por sua provisão por meio de Cristo Jesus!