Como lidar com a polarização?

Daniel Lima

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A polarização é fruto do nosso desenvolvimento social. Quando éramos crianças, começamos a categorizar o mundo ao nosso redor para podermos lidar com todos os estímulos “novos”. Adotamos então as categorias de nossas famílias e, com o tempo, misturamos com nossa própria experiência. Assim uma criança aprende de seus pais que negros (ou brancos, ou pobres, ou ricos) são bons ou maus. A mente da criança é particularmente simplista. Para ela o mundo se divide entre bons e bonitos ou maus e feios. Com o tempo ela começa a perceber que essas categorias não conseguem conter todas realidades que encontra. Deixe-me descrever algumas características da polarização:

  1. Polarização é essencialmente reducionista. Se um rótulo define uma pessoa como boa, confiável, digna e parte de quem somos, e outro define exatamente o contrário, o mundo é reduzido, tornando-se mais simples embora distorcido, e nos dá a ilusão de que conseguimos compreendê-lo.

  2. Polarização se baseia mais em valores e identidade do que em fatos. Na polarização, não basta discordar; é preciso odiar o outro lado.

  3. Polarização é o que alimenta o populismo. Sem polarização, sem um inimigo comum (sejam judeus, estrangeiros, ricos ou pobres), o populismo perde seu poder de manipulação.

Os cristãos não estão isentos à polarização. No Brasil e no mundo temos visto cristãos que pregam a necessidade de gentileza, de amar o inimigo, de sofrer pela verdade, fazendo ao mesmo tempo discursos de ódio contra os “inimigos”, crendo que assim estão promovendo o evangelho. O apóstolo Paulo descreve que o propósito dos líderes da igreja é levar a comunidade à maturidade. Deixar de fazer isso seria condenar a mesma a ser manipulada.

O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. (Efésios 4.14-15)

O princípio cristão não é ser vítima da polarização, mas “segui[r] a verdade em amor”. Essa é uma tensão que não podemos resolver. Se sigo a verdade sem amor, não estou manifestando a Cristo. Se sigo o amor sem verdade, estou prostituindo o próprio amor.

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Vejamos, por exemplo, como Jesus tratou a polarização dos judeus no 1º século. Em João 4.1-42, lemos sobre como Jesus intencionalmente entrou em território samaritano – povo considerado impuro e inferior pelos judeus –, conversou com uma mulher de passado duvidoso e, ao proclamar o evangelho, apesentou a esta mulher uma alternativa surpreendente e redentora.

Leia o texto abaixo e observe como a mulher apresenta uma visão polarizada e como Jesus apresenta uma visão redentora:

Disse a mulher: “Senhor, vejo que é profeta. Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Jesus declarou: “Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade”. (João 4.19-23a)

A mulher mostra apenas duas opções: ou devemos adorar neste monte ou em Jerusalém. A primeira era a posição dos samaritanos e a segunda dos judeus. Essa discussão era antiga e as posições eram defendidas passionalmente por ambos os lados. A resposta de Jesus é fascinante: a verdadeira adoração é espiritual!

Em mais um encontro com outra mulher de reputação manchada, fariseus e mestres da Lei buscam forçar Jesus a tomar uma posição polarizada. Em João 8.1-11, esses religiosos buscam pegar o Mestre em uma armadilha (verso 6). A armadilha é a polarização: ou você segue a Lei de Moisés e concorda com o apedrejamento, colocando-se como juiz e desobedecendo aos romanos, ou você se mantém como popular e desobedece à Lei de Moisés. Mais uma vez Jesus apresenta outra opção: quem não tiver pecado atire a primeira pedra.

Reconhecendo que o tema é muito mais amplo e complexo, deixe-me arriscar alistar algumas sugestões sobre como podemos, enquanto cristãos, lidar com a polarização política, religiosa ou ideológica.

  1. Sua única aliança inegociável é Cristo, e nada mais! Quando um cristão defende uma ideologia, personagem ou partido de maneira absoluta, ele ou ela está aumentando a polarização e, em última análise, traindo seu Senhor (Filipenses 3.7-8).

  2. Comprometa-se com a verdade. Cuide para não delegar a outros o trabalho de discernir o que é verdade. Nosso papel como cristãos maduros é discernir tanto o bem quanto o mal (Hebreus 5.14).

  3. Comprometa-se em demonstrar amor em todas as suas interações. Ataques pessoais, ofensas de qualquer tipo, tentativas de invalidar a opinião do outro (por mais anticristã que seja) simplesmente não representa o ensino cristão (Mateus 5.43-44).

  4. Converse com gentileza. Cristãos hostis envergonham o evangelho de Cristo, mesmo que estejam defendendo a verdade (1Pedro 3.15-16).

Em um mundo dividido, minha oração é que sejamos pacificadores, lutando por aquele que realmente importa: nosso Senhor Jesus Cristo, autor e consumador da nossa fé. 

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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