Como lidar com a polarização?
A polarização é fruto do nosso desenvolvimento social. Quando éramos crianças, começamos a categorizar o mundo ao nosso redor para podermos lidar com todos os estímulos “novos”. Adotamos então as categorias de nossas famílias e, com o tempo, misturamos com nossa própria experiência. Assim uma criança aprende de seus pais que negros (ou brancos, ou pobres, ou ricos) são bons ou maus. A mente da criança é particularmente simplista. Para ela o mundo se divide entre bons e bonitos ou maus e feios. Com o tempo ela começa a perceber que essas categorias não conseguem conter todas realidades que encontra. Deixe-me descrever algumas características da polarização:
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Polarização é essencialmente reducionista. Se um rótulo define uma pessoa como boa, confiável, digna e parte de quem somos, e outro define exatamente o contrário, o mundo é reduzido, tornando-se mais simples embora distorcido, e nos dá a ilusão de que conseguimos compreendê-lo.
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Polarização se baseia mais em valores e identidade do que em fatos. Na polarização, não basta discordar; é preciso odiar o outro lado.
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Polarização é o que alimenta o populismo. Sem polarização, sem um inimigo comum (sejam judeus, estrangeiros, ricos ou pobres), o populismo perde seu poder de manipulação.
Os cristãos não estão isentos à polarização. No Brasil e no mundo temos visto cristãos que pregam a necessidade de gentileza, de amar o inimigo, de sofrer pela verdade, fazendo ao mesmo tempo discursos de ódio contra os “inimigos”, crendo que assim estão promovendo o evangelho. O apóstolo Paulo descreve que o propósito dos líderes da igreja é levar a comunidade à maturidade. Deixar de fazer isso seria condenar a mesma a ser manipulada.
O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. (Efésios 4.14-15)
O princípio cristão não é ser vítima da polarização, mas “segui[r] a verdade em amor”. Essa é uma tensão que não podemos resolver. Se sigo a verdade sem amor, não estou manifestando a Cristo. Se sigo o amor sem verdade, estou prostituindo o próprio amor.
Vejamos, por exemplo, como Jesus tratou a polarização dos judeus no 1º século. Em João 4.1-42, lemos sobre como Jesus intencionalmente entrou em território samaritano – povo considerado impuro e inferior pelos judeus –, conversou com uma mulher de passado duvidoso e, ao proclamar o evangelho, apesentou a esta mulher uma alternativa surpreendente e redentora.
Leia o texto abaixo e observe como a mulher apresenta uma visão polarizada e como Jesus apresenta uma visão redentora:
Disse a mulher: “Senhor, vejo que é profeta. Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Jesus declarou: “Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade”. (João 4.19-23a)
A mulher mostra apenas duas opções: ou devemos adorar neste monte ou em Jerusalém. A primeira era a posição dos samaritanos e a segunda dos judeus. Essa discussão era antiga e as posições eram defendidas passionalmente por ambos os lados. A resposta de Jesus é fascinante: a verdadeira adoração é espiritual!
Em mais um encontro com outra mulher de reputação manchada, fariseus e mestres da Lei buscam forçar Jesus a tomar uma posição polarizada. Em João 8.1-11, esses religiosos buscam pegar o Mestre em uma armadilha (verso 6). A armadilha é a polarização: ou você segue a Lei de Moisés e concorda com o apedrejamento, colocando-se como juiz e desobedecendo aos romanos, ou você se mantém como popular e desobedece à Lei de Moisés. Mais uma vez Jesus apresenta outra opção: quem não tiver pecado atire a primeira pedra.
Reconhecendo que o tema é muito mais amplo e complexo, deixe-me arriscar alistar algumas sugestões sobre como podemos, enquanto cristãos, lidar com a polarização política, religiosa ou ideológica.
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Sua única aliança inegociável é Cristo, e nada mais! Quando um cristão defende uma ideologia, personagem ou partido de maneira absoluta, ele ou ela está aumentando a polarização e, em última análise, traindo seu Senhor (Filipenses 3.7-8).
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Comprometa-se com a verdade. Cuide para não delegar a outros o trabalho de discernir o que é verdade. Nosso papel como cristãos maduros é discernir tanto o bem quanto o mal (Hebreus 5.14).
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Comprometa-se em demonstrar amor em todas as suas interações. Ataques pessoais, ofensas de qualquer tipo, tentativas de invalidar a opinião do outro (por mais anticristã que seja) simplesmente não representa o ensino cristão (Mateus 5.43-44).
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Converse com gentileza. Cristãos hostis envergonham o evangelho de Cristo, mesmo que estejam defendendo a verdade (1Pedro 3.15-16).
Em um mundo dividido, minha oração é que sejamos pacificadores, lutando por aquele que realmente importa: nosso Senhor Jesus Cristo, autor e consumador da nossa fé.