Ansiedade, Depressão e a Bíblia

Daniel Lima

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Entre as muitas consequências da pandemia, uma que se destaca é o aumento de sintomas que podem ser definidos como ansiedade ou depressão. Segundo o site do Hospital Psiquiátrico Santa Mônica, depressão é definida como “uma doença psiquiátrica em que a pessoa sente tristeza profunda, baixa autoestima e sentimento de culpa recorrente”. Já ansiedade é “um termo geral, usado para caracterizar distúrbios que causam angústia, medo, apreensão, nervosismo e preocupação”[1]. Entre cristãos ainda há muita discussão se um cristão maduro pode sofrer depressão ou se isso é falta de fé.

Com certeza podemos concordar que todo cristão vive momentos em sua vida que lhe roubam o próprio prazer de viver. Esse é um sentimento que, se não for trabalhado, pode chegar a causar sérios danos à vida de quem o enfrenta. O fato, no entanto, é que há vários relatos bíblicos de homens de Deus que chegaram ao final de suas forças e manifestaram sentimentos que certamente podem ser caracterizados como depressivos. Por exemplo: Moisés, em um momento de angústia, afirmou: “... mata-me agora mesmo” (Números 11.14-15). Elias, após sua participação no enfrentamento com os profetas de Baal, clamou: “Tira a minha vida” (1Reis 19.4). Até mesmo Davi, o homem segundo o coração de Deus, ao retornar à cidade de Ziclague, onde habitava sua família, e ao deparar-se com a destruição realizada por seus inimigos, chorou até não ter mais forças para chorar.

Há vários relatos bíblicos de homens de Deus que chegaram ao final de suas forças e manifestaram sentimentos depressivos.

Também no Novo Testamento: Paulo, homem cheio do Espírito, relata em 2Coríntios 1.8: “Irmãos, não queremos que vocês desconheçam as tribulações que sofremos na província da Ásia, as quais foram muito além da nossa capacidade de suportar, a ponto de perdermos a esperança da própria vida”. Por fim, Jesus, em perfeita comunhão com o Pai, afirma não uma depressão, mas o efeito de suas provações sobre seu estado emocional e mesmo físico: “Estando angustiado, ele orou ainda mais intensamente; e o seu suor era como gotas de sangue que caíam no chão” (Lucas 22.44).

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Qualquer estudante sério da Palavra entende que Jesus não estava enfrentando depressão. Ao mesmo tempo, é inegável que estivesse em agonia, em sofrimento emocional profundo que teve repercussões físicas. O conhecido comentarista bíblico William Hendriksen descreve assim o evento:

hematidrosis. Isso ocorreu enquanto Jesus, sofrendo intensamente, estava orando com profundo fervor. Quando estes fatores – extrema angústia, súplica fervorosa, sensibilidade sem paralelo – são combinados, a tensão resultante pode facilmente provocar uma dilatação dos vasos capilares subcutâneos, fazendo com que eles se rompam.[2]

Contudo, é importante lembrar que Moisés, após “desabafar” com Deus, continuou guiando o povo; Elias, após um encontro com Deus, reassumiu seu ministério profético; Davi, após seu choro, partiu em perseguição de seus inimigos e recuperou tudo o que lhe havia sido tomado; Paulo, apesar de sua angústia, continuou seu ministério; e Jesus não evitou a cruz. Agora, o que fez com que esses homens conseguissem enfrentar tal estado da alma? Foi só uma questão de “encarar o problema”?

Há muitas diferenças em cada caso. No caso de Davi, não temos quase nenhuma descrição sobre como ele se fortaleceu – apenas que se fortaleceu no Senhor. A situação de Jesus é única, embora seja marcante como mesmo o Filho clamou por apoio do Pai. Deixe-me tentar alistar o que vejo de comum no somatório dessas situações:

Aquele que conhece nosso coração e nossas limitações não está alheio ao nosso sofrimento. 

  1. Encontro com o Senhor. Cada um desses indivíduos teve um encontro com Deus. Nele Deus não os repreendeu ou desprezou seus sentimentos, mas mostrou-lhes algumas verdades, as quais não estavam percebendo em sua angústia. Quando enfrentar uma situação assim, busque a Deus, derrame seu coração e ouça o que ele tem a lhe dizer. Pode demorar ou mesmo não ser o que você gostaria, mas aquele que conhece nosso coração e nossas limitações não está alheio ao nosso sofrimento.

  2. Apoio de pessoas. Tanto para Moisés como para Elias, Deus mostrou outros em quem podiam confiar. Em situações deprimentes, evite se isolar. Busque pessoas em quem você pode confiar – preferencialmente um cristão maduro que você sabe que vai lhe ouvir e orar por você.

  3. Divisão de tarefas. Uma das causas mais frequentes da depressão é a sobrecarga. Tanto no caso de Moisés como no de Elias, Deus mostrou como dividir os fardos. No contexto em que Paulo escreve, ele está relatando como sua equipe o ajudou a enfrentar seus desafios. Reavalie radicalmente sua agenda. Nossa tendência de assumir mais do que podemos fazer nos leva em direção à uma vida medíocre e, por fim, a uma vida doente.

  4. Poder de Deus. Em cada situação, Deus convidou o indivíduo a perceber a presença e o poder dele. Deus não promete que não haverá vales escuros, mas que ele estará conosco em todos os vales de sombra e de morte, por isso podemos nos fortalecer nele. Lembre-se de Salmos 23.4: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam”.

Minha oração é que, em meio ao vale mais escuro e ameaçador, a presença de nosso Deus, a bênção de amigos, o discernimento da sobrecarga e a experiência do poder divino possam nos conduzir em segurança em meio a esses desafios.

 

Notas

  1. “Ansiedade e depressão na pandemia: entenda o crescimento nos casos e como pedir ajuda”, Hospital Santa Mônica, 20 jul. 2021. Disponível em: https://hospitalsantamonica.com.br/ansiedade-e-depressao-na-pandemia/.

  2.  William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Lucas – Volume 2, 2. ed., trad. V. G. Martins (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2014), p. 551.

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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