Ansiedade, Depressão e a Bíblia
Entre as muitas consequências da pandemia, uma que se destaca é o aumento de sintomas que podem ser definidos como ansiedade ou depressão. Segundo o site do Hospital Psiquiátrico Santa Mônica, depressão é definida como “uma doença psiquiátrica em que a pessoa sente tristeza profunda, baixa autoestima e sentimento de culpa recorrente”. Já ansiedade é “um termo geral, usado para caracterizar distúrbios que causam angústia, medo, apreensão, nervosismo e preocupação”[1]. Entre cristãos ainda há muita discussão se um cristão maduro pode sofrer depressão ou se isso é falta de fé.
Com certeza podemos concordar que todo cristão vive momentos em sua vida que lhe roubam o próprio prazer de viver. Esse é um sentimento que, se não for trabalhado, pode chegar a causar sérios danos à vida de quem o enfrenta. O fato, no entanto, é que há vários relatos bíblicos de homens de Deus que chegaram ao final de suas forças e manifestaram sentimentos que certamente podem ser caracterizados como depressivos. Por exemplo: Moisés, em um momento de angústia, afirmou: “... mata-me agora mesmo” (Números 11.14-15). Elias, após sua participação no enfrentamento com os profetas de Baal, clamou: “Tira a minha vida” (1Reis 19.4). Até mesmo Davi, o homem segundo o coração de Deus, ao retornar à cidade de Ziclague, onde habitava sua família, e ao deparar-se com a destruição realizada por seus inimigos, chorou até não ter mais forças para chorar.
Há vários relatos bíblicos de homens de Deus que chegaram ao final de suas forças e manifestaram sentimentos depressivos.
Também no Novo Testamento: Paulo, homem cheio do Espírito, relata em 2Coríntios 1.8: “Irmãos, não queremos que vocês desconheçam as tribulações que sofremos na província da Ásia, as quais foram muito além da nossa capacidade de suportar, a ponto de perdermos a esperança da própria vida”. Por fim, Jesus, em perfeita comunhão com o Pai, afirma não uma depressão, mas o efeito de suas provações sobre seu estado emocional e mesmo físico: “Estando angustiado, ele orou ainda mais intensamente; e o seu suor era como gotas de sangue que caíam no chão” (Lucas 22.44).
Qualquer estudante sério da Palavra entende que Jesus não estava enfrentando depressão. Ao mesmo tempo, é inegável que estivesse em agonia, em sofrimento emocional profundo que teve repercussões físicas. O conhecido comentarista bíblico William Hendriksen descreve assim o evento:
hematidrosis. Isso ocorreu enquanto Jesus, sofrendo intensamente, estava orando com profundo fervor. Quando estes fatores – extrema angústia, súplica fervorosa, sensibilidade sem paralelo – são combinados, a tensão resultante pode facilmente provocar uma dilatação dos vasos capilares subcutâneos, fazendo com que eles se rompam.[2]
Contudo, é importante lembrar que Moisés, após “desabafar” com Deus, continuou guiando o povo; Elias, após um encontro com Deus, reassumiu seu ministério profético; Davi, após seu choro, partiu em perseguição de seus inimigos e recuperou tudo o que lhe havia sido tomado; Paulo, apesar de sua angústia, continuou seu ministério; e Jesus não evitou a cruz. Agora, o que fez com que esses homens conseguissem enfrentar tal estado da alma? Foi só uma questão de “encarar o problema”?
Há muitas diferenças em cada caso. No caso de Davi, não temos quase nenhuma descrição sobre como ele se fortaleceu – apenas que se fortaleceu no Senhor. A situação de Jesus é única, embora seja marcante como mesmo o Filho clamou por apoio do Pai. Deixe-me tentar alistar o que vejo de comum no somatório dessas situações:
Aquele que conhece nosso coração e nossas limitações não está alheio ao nosso sofrimento.
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Encontro com o Senhor. Cada um desses indivíduos teve um encontro com Deus. Nele Deus não os repreendeu ou desprezou seus sentimentos, mas mostrou-lhes algumas verdades, as quais não estavam percebendo em sua angústia. Quando enfrentar uma situação assim, busque a Deus, derrame seu coração e ouça o que ele tem a lhe dizer. Pode demorar ou mesmo não ser o que você gostaria, mas aquele que conhece nosso coração e nossas limitações não está alheio ao nosso sofrimento.
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Apoio de pessoas. Tanto para Moisés como para Elias, Deus mostrou outros em quem podiam confiar. Em situações deprimentes, evite se isolar. Busque pessoas em quem você pode confiar – preferencialmente um cristão maduro que você sabe que vai lhe ouvir e orar por você.
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Divisão de tarefas. Uma das causas mais frequentes da depressão é a sobrecarga. Tanto no caso de Moisés como no de Elias, Deus mostrou como dividir os fardos. No contexto em que Paulo escreve, ele está relatando como sua equipe o ajudou a enfrentar seus desafios. Reavalie radicalmente sua agenda. Nossa tendência de assumir mais do que podemos fazer nos leva em direção à uma vida medíocre e, por fim, a uma vida doente.
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Poder de Deus. Em cada situação, Deus convidou o indivíduo a perceber a presença e o poder dele. Deus não promete que não haverá vales escuros, mas que ele estará conosco em todos os vales de sombra e de morte, por isso podemos nos fortalecer nele. Lembre-se de Salmos 23.4: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam”.
Minha oração é que, em meio ao vale mais escuro e ameaçador, a presença de nosso Deus, a bênção de amigos, o discernimento da sobrecarga e a experiência do poder divino possam nos conduzir em segurança em meio a esses desafios.
Notas
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“Ansiedade e depressão na pandemia: entenda o crescimento nos casos e como pedir ajuda”, Hospital Santa Mônica, 20 jul. 2021. Disponível em: https://hospitalsantamonica.com.br/ansiedade-e-depressao-na-pandemia/.
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William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Lucas – Volume 2, 2. ed., trad. V. G. Martins (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2014), p. 551.