A Dependência do Pecado

Daniel Lima

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O enredo já faz parte do imaginário popular. O adolescente busca sentido em sua vida, busca relacionamentos ou realizações que lhe deem uma sensação de significado, de que ele faz diferença neste mundo. Infelizmente, devido a maus tratos, abandono ou vários outros resultados do pecado, esse jovem se vê frustrado em todos os seus esforços. Eventualmente, alguém lhe oferece a fuga: alguma substância que alivia sua dor existencial. Os argumentos não são nem sequer muito elaborados: “Afinal, você sempre faz o que esperam de você?”, ou: “Isso aqui vai fazer você viajar...”, ou até mesmo: “Você vai ficar feliz, nem que seja por alguns minutos...”. Não há nenhum esforço em negar que essa substância afeta negativamente seu corpo ou que vai gerar uma dependência que ao final vai levá-lo à morte. A oferta é inconsequente e o jovem aceita o alívio de forma igualmente impensada.

Já vimos isso em filmes, em documentários e, lamentavelmente, já assistimos processos assim em pessoas reais que conhecemos. Permanece, ao menos para mim, uma pergunta subjacente que permeia todas essas histórias. Essa pergunta se manifesta ao assistirmos a cena em que o jovem vai aceitar a droga e dizemos, pelo menos em nossa mente: “Não, não aceite. Isso não é solução, não vai aliviar nada”. A pergunta é: por que alguém se envolve com processos autodestrutivos? Se a realidade é tão conhecida (e mesmo dependentes químicos sabem os efeitos de suas substâncias de predileção), por que pessoas se deixam levar por ela?

Antes de tentarmos responder o que a princípio parece ser um tema relevante, mas distante, deixe-me aproximar um pouco mais a questão. Imagino que a grande maioria de nós não lida com a dependência química. No entanto, nos deixamos escravizar por outras tendências pecaminosas que, apesar de não terem consequências tão dramáticas, nos afastam de Deus. Talvez sua luta seja com a ira, mesmo sabendo que a resposta branda desvia o furor. Ou sua luta pode ser com uma ansiedade que lhe consome, mesmo sabendo que Deus promete cuidar de cada uma de suas necessidades. Ou talvez, mesmo sabendo que a verdade liberta, você não consegue falar a verdade ao seu amigo ou cônjuge sobre algo que tem prejudicado seu relacionamento.

Nos deixamos escravizar por tendências pecaminosas que, apesar de não terem consequências tão dramáticas, nos afastam de Deus.

Enfim, mesmo sabendo do poder de Deus para nos libertar, mesmo sabendo que o pecado nos afasta de Deus e nos leva a uma vida espiritualmente fraca, continuamos cedendo a “pequenos” desvios, os quais eventualmente nos levam a lugares onde não queremos estar. Por que continuamos cedendo ao poder destruidor do pecado?  Por que trocamos uma vida espiritual verdadeira e satisfatória por um alívio passageiro?

Talvez a mais descritiva passagem tratando do tema seja Tiago 1.14,15:

“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.”

Tiago nos fala que somos tentados por nossa “cobiça”. A palavra vertida aqui como “cobiça” é traduzida em geral como maus desejos, mas, em algumas circunstâncias, pode também significar bons desejos (Lucas 22.15, Filipenses 1.23 e 1Tessalonicenses 2.17). O verso 14 mostra que são nossos desejos ou anseios profundos que nos tentam. Nossos desejos podem ter sido dados por Deus, mas, a partir da queda, mesmo estes foram corrompidos. Muito embora eles possam ter uma origem legítima, ao buscar satisfazê-los longe de Deus ao invés de trazê-los para ele, desejos se tornam tentações.

Nossos desejos podem ter sido dados por Deus, mas, a partir da queda, mesmo estes foram corrompidos.

Repare o processo descrito. Os desejos em si ainda não são pecado. No entanto, somos arrastados e seduzidos por eles. Em outras palavras, acreditamos que esses desejos podem ser satisfeitos longe de Deus ou mesmo fora de sua vontade. Uma vez que essa crença se estabeleceu, de um modo muito semelhante ao dependente químico, estou aprisionado ao pecado. Uma vez que satisfaço esse desejo longe de Deus, o pecado foi concebido e este sempre nos leva à morte (Romanos 6.23).

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Em última análise, somos aprisionados pelo pecado por nossa incredulidade. No momento em que acreditamos que Deus não pode ou não quer satisfazer nossos desejos de uma forma muito superior ao que o mundo nos oferece, passamos a buscar nossa satisfação por conta própria. Nesse momento, o desejo nos “atrai e seduz”. Ao mesmo tempo, Paulo afirma com muita clareza que o pecado não tem domínio sobre nós (Romanos 6.8-10). O único poder que o pecado tem sobre nós é o poder da mentira. A mentira de que existe satisfação para a nossa alma em algo que não seja Deus.

Agostinho escreve com propriedade ao afirmar que: “Porque tu nos fizeste para ti, e o nosso coração permanecerá inquieto enquanto não repousar em ti”[1].

Minha oração por mim e por você é que nossa mente seja renovada pela constante reflexão na verdade de que nosso coração somente será satisfeito na “boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.

 

Nota

  1.  Confissões de Agostinho, I.1,1.

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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