O Messias: O Shalom de Judeus e gentios

A palavra shalom ocorre 237 vezes na Bíblia hebraica, conforme destacou o judeu messiânico Erez Soref no Congresso de Israel, em fins de setembro, em Schwäbisch Gmünd, Alemanha. O diretor de One for Israel acrescentou que essa palavra significa muito mais do que a ausência de algum conflito. Trata-se de uma dádiva que só Deus pode conceder ao homem. Ela penetra no coração e não depende de circunstâncias externas, incluindo proteção e bênção.

Sobre o tema “O Messias traz o shalom – perspectivas veterotestamentárias”, o diretor do Israel College of the Bible em Netanya disse o seguinte: “Uma passagem chave para o tema da ‘paz’ é a bênção aarônica (Nm 6.24-26): ‘O Senhor os abençoe e os guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre vocês e tenha misericórdia de vocês; o Senhor sobre vocês levante o seu rosto e lhes dê a paz’”. Deus encarrega ali os sacerdotes de depositar sua bênção sobre o povo de Israel. O palestrante, um israelense, observou que na Festa da Páscoa e na Festa das Cabanas milhares de judeus iam até o Muro das Lamentações para receberem essa bênção.

Deus tem planos para todo homem

Uma outra passagem bíblica que revela o significado de shalom é Jeremias 29.11: “‘Eu é que sei que pensamentos tenho a respeito de vocês’, diz o Senhor. ‘São pensamentos de paz e não de mal, para dar-lhes um futuro e uma esperança’”. Depois do traumático evento da destruição do templo pelos babilônios e da deportação para o exílio, Deus consola os judeus por meio de Jeremias, explicou Soref. Ele lhes comunica ainda ter planos para eles e que se preocupa com eles. O plano é “paz”. Deus pensa em cada ser humano.

“O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados.”
“O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados.”

Isaías 53.5-6 mostra por sua vez que “o Messias traz a paz com Deus”. O texto diz: “Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu próprio caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós”. Esses versículos não tratam apenas da paz que vem de Deus. Trata-se também da paz com Deus, enfatizou o palestrante.

Soref também citou o Novo Testamento. Efésios 2.11-22 alerta os cristãos gentios a não se esquecerem das suas origens, o que também se aplica aos judeus. Ele apelou aos participantes daquela conferência em Schönblick a compartilhar o evangelho com os judeus. A melhor via para abençoar Israel passa por Jesus.

O teólogo Baltes: esclarecerendo mal-entendidos sobre os judeus

Uma segunda palestra tratou do tema “Jesus é nosso shalom – perspectivas neotestamentárias”. O palestrante foi o teólogo alemão Guido Baltes, que foi por vários anos diretor do Johanniterhospiz na Cidade Velha de Jerusalém. Atualmente, ele leciona na Faculdade Teológica Tabor e no Seminário Bíblico em Marburgo. Ele baseou sua exposição em Efésios 2.14: “Porque [Jesus] é a nossa paz”.

Para o teólogo, é importante esclarecer mal-entendidos sobre os judeus e Israel disseminados entre os cristãos. Isso inclui por exemplo a ideia de uma inimizade inata entre judeus e não judeus, que só poderia ser superada por Jesus. Ela estaria visível na “imagem da exclusão dos gentios”. Na íntegra, o versículo de Efésios citado diz: “Porque ele é a nossa paz. De dois povos ele fez um só e, na sua carne, derrubou a parede de separação que estava no meio, a inimizade”.

Segundo Baltes, há séculos exegetas cristãos têm atribuído essa passagem bíblica à barreira no templo. Sua existência é documentada por duas inscrições gregas, a primeira das quais descoberta em 1871. Todavia, que essa barreira se destinasse a separar judeus de não judeus seria um clichê antijudeu que já ocorria com o historiador romano Tácito (55-120 d.C.). Há pregadores que apreciam a ideia da exclusão dos gentios, tendo sido aplicada por exemplo no contexto dos samaritanos. Dessa interpretação, teria então brotado o “evangelho” segundo o qual “Jesus superou a barreira”.

O recurso a fontes judaicas

A fim de evitar equívocos, Baltes recomendou consultar fontes judaicas. No Antigo Testamento, gente de todo o mundo tem encontros com o Deus de Israel. Abraão haveria de ser uma bênção para todos os povos. A cananeia Raabe e a moabita Rute são integradas ao povo. Jonas é enviado a pregar aos pagãos em Nínive – e para que ele mesmo aprendesse uma lição. Isso contradiria a tese da separação.

O historiador Flávio Josefo relata que, no primeiro século da era cristã, havia frequentadores não judeus nas sinagogas. No templo, eles ofereciam sacrifícios e adoravam a Deus, se bem que, segundo Baltes destaca, eles teriam permanecido no átrio, tal como os judeus. Suas ofertas seriam entregues aos sacerdotes. Havia átrios para diversos grupos: para homens judeus, para mulheres, para não judeus e para judeus que estivessem impuros. No entanto, todo o Monte do Templo era considerado parte do templo, incluindo assim também o átrio dos gentios – que sob Herodes até teria sido ampliado.

Com base nisso, o teólogo conclui que os gentios não eram excluídos do culto judaico, mas cada grupo teria ocupado o espaço destinado a ele. Contudo, a distinção não seria sinal de inimizade. Além disso, no versículo de Efésios, Paulo emprega para a barreira uma expressão diferente daquela que ocorre em Flávio Josefo e nas tábuas de pedra descobertas no contexto do templo. Efésios não trataria da paz entre judeus e gentios, mas da paz de ambos os grupos com Deus.

Cancelamento da Torá?

Muitos cristãos derivam um outro equívoco de Efésios 2.15: “Cristo aboliu a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse em si mesmo uma nova humanidade, fazendo a paz”. Ao longo dos séculos, a conclusão teria sido que Deus removera a “barreira da Lei”, o que teria o apoio da Mishná judaica. O tratado Pirke Avot [Ética dos Pais] diz no início: “Construa uma cerca em torno da Torá”. Mas será que isso realmente significaria que a Lei teria para os judeus uma função restritiva?

Na tradição judaica, a Lei é vista como uma boa dádiva de Deus. Segundo Deuteronômio 6.24, aquele que observa os mandamentos viverá. A gratidão dos judeus pela Lei pode ser observada na festa de Simchat Torá [Alegria pela Torá]. Nela eles dançam de alegria abraçando os rolos da Torá. Ano passado, a festa iniciou-se em Israel na noite de uma segunda-feira; na diáspora, é celebrada um dia mais tarde.

Baltes observa que Mantinho Lutero sonegou algo na tradução do versículo. O enunciado correto deveria ser: “Cristo aboliu a lei registrada em forma de mandamentos quanto às suas sentenças judiciais para que dos dois criasse em si mesmo uma nova humanidade, fazendo a paz”. A ideia seria então que, em Cristo, a pessoa seria libertada da maldição da Lei, não da própria Lei.

Um terceiro equívoco seria a afirmação de que os cristãos seriam um novo povo de Deus. Tal ideia seria ameaçadora para os judeus: “Jesus trouxe a paz. Com isso, não existem mais judeus”. No entanto, o Novo Testamento não abrigaria a ideia de que os cristãos se tornariam um novo povo de Deus. Na verdade, judeus e não judeus são diferentes, mas ainda assim um só em Cristo. Esse equívoco baseia-se na segunda parte de Efésios 2.15: “... para que dos dois criasse em si mesmo uma nova humanidade, fazendo a paz”. Portanto, o objetivo primordial do Messias seria convidar as pessoas para a paz com Deus.

Escrito por Elisabeth Hausen

Publicado com autorização
de israelnetz.com.

sumário Revista Chamada Maio 2022

Confira