O Valor da Terra

Ron J. Bigalke

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Eliseu curou Naamã de lepra e por isso este ofereceu um presente ao profeta como agradecimento pela cura. Eliseu, porém, recusou qualquer pagamento. Antes de partir para sua terra natal, Naamã fez o que parece ser um pedido peculiar: ele queria “duas mulas carregadas de terra” (2Reis 5.17).

A lepra era uma doença incurável, e muitos acreditavam que ela era uma maldição divina imposta sobre uma pessoa pelos pecados que cometera. Aqueles que a contraíam eram desprezados e odiados, além de serem excluídos de qualquer comunhão com seu próprio povo (cf. Números 5.2). O medo e o estigma despertados pela lepra podem se comparar à Aids nos dias modernos. Entre as muitas contaminações especificadas na lei mosaica, apenas um corpo morto era considerado mais sério do que a lepra. O desejo de Naamã de agradecer a Eliseu por tê-lo curado é facilmente compreensível, mas não se pode dizer o mesmo de seu pedido por terra. A verdade é que a petição de Naamã era inteiramente razoável, e esse artigo explicará por quê.

A situação desesperadora

O capítulo 5 de 2Reis muda o cenário de Israel para a Síria, e a ênfase sobre os israelitas para a atenção no general sírio. Naamã, cujo nome aramaico significa “gracioso” (ou “amabilidade”), era uma pessoa excepcional. Ele era “comandante do exército do rei da Síria” (sob Ben-Hadade; cf. 1Reis 15.18,20), significando que ele tinha grandes responsabilidades. Sua reputação estava acima de qualquer reprovação: Naamã “era muito respeitado e honrado pelo seu senhor”; era também um “grande guerreiro”. Embora não cresse em Yahweh, o Senhor Deus concedeu vitória à Síria por meio de Naamã; e, embora essa vitória específica não seja revelada, é evidente que Deus é Senhor das nações, não apenas de Israel (2Reis 5.1). Apesar de todas as suas qualidades louváveis, ele “ficou leproso” – e mesmo assim ele ainda era capaz de cumprir com suas responsabilidades. A lepra era progressiva (cf. Levítico 13–14), e é evidente que Naamã estava nos primeiros estágios da doença.

Uma menina da terra de Israel estava servindo na casa de Naamã, que tinha sido “levad[a] cativa” pelos sírios (2Reis 5.2). A fé da menina escrava é notável, pois ela acreditava que, se o profeta Eliseu estivesse em Samaria, ele poderia curar Naamã de sua lepra (verso 3). Lucas 4.27 revela o impacto de sua fé: “Também havia muitos leprosos em Israel no tempo de Eliseu, o profeta; todavia, nenhum deles foi purificado – somente Naamã, o sírio”. Com uma incredulidade generalizada prevalecendo entre os israelitas na época, a fé da serva cativa era um contraste marcante. Além disso, tal deferência de Naamã para com sua serva judia certamente indicava que Deus estava efetuando uma mudança dentro dele.

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Quando uma pessoa está desesperadamente doente, ela geralmente está disposta a buscar medidas desesperadas. Naamã foi até o rei com base no desejo de sua serva (verso 4). O rei certamente devia saber da lepra de Naamã; no entanto, sua reputação o precedia e Ben-Hadade aprovou e autorizou a expedição do comandante doente a Israel, até mesmo enviando um presente exorbitante e uma carta pessoal ao rei Jorão de Israel (versos 5-6). O presente foi provavelmente uma tentativa de comprar de Yahweh aquilo que o rei e seu general desejavam. A carta refletia o poder e o prestígio de Naamã, e, em conjunto com o presente de Ben-Hadade, era essencialmente uma ordem, a qual Jorão considerou como sendo uma provocação para criar uma disputa contra ele (verso 7; cf. 1Reis 20.1-3). Jorão ignorava a ação de Deus, mas Eliseu conhecia o Senhor e o seu agir: “Quando Eliseu, o homem de Deus, soube que o rei de Israel havia rasgado suas vestes, mandou-lhe esta mensagem: ‘Por que rasgaste tuas vestes? Envia o homem a mim, e ele saberá que há profeta em Israel’” (2Reis 5.8).

Com uma incredulidade generalizada prevalecendo entre os israelitas na época, a fé da serva cativa era um contraste marcante.

“Então Naamã foi com seus cavalos e carros e parou à porta da casa de Eliseu” (verso 9). Naamã era socialmente superior a Eliseu, e esperava completamente a deferência e o respeito do profeta. Sem que Naamã pudesse antecipar, “Eliseu enviou um mensageiro para lhe dizer: ‘Vá e lave-se sete vezes no rio Jordão; sua pele será restaurada e você ficará purificado’” (verso 10). Naamã pensou que Eliseu iria até ele e “ficou indignado” quando o profeta não fez isso (verso 11). Seu ultraje era triplo: (1) Eliseu não tinha obsequiado a posição do general (verso 11a); (2) ele tinha esperado que a cura seria com base em alguma técnica exclusiva por parte do profeta (verso 11b); e (3) Naamã considerava o lamacento rio Jordão inferior aos rios de Damasco (verso 12).

Naamã sabia o que queria; seu erro, no entanto, foi ter considerado a cura como sendo um acordo de negócios ou uma questão processual a ser satisfeita com um aperto de mãos. Ele nunca imaginou que a cura iria ocorrer por meio de humilde submissão a Deus, de acordo com as estipulações do Senhor. Naamã estava pronto para voltar para casa, até que seus servos o desafiaram a não fazer isso (verso 13). “Assim ele desceu ao Jordão, mergulhou sete vezes conforme a ordem do homem de Deus e foi purificado; sua pele tornou-se como a de uma criança” (verso 14). A obediência à palavra do profeta de Deus resultou na cura que ele desejava. Por meio de uma simples ação, os efeitos instantâneos manifestaram o poder de Deus de forma tão notável que Naamã não voltou para casa imediatamente.

Os resultados dramáticos

“Então Naamã e toda a sua comitiva voltaram à casa do homem de Deus” a fim de declarar sua recém-fundada devoção a Deus. Ele confessou: “Agora sei que não há Deus em nenhum outro lugar, senão em Israel” (verso 15). Eliseu não estava presente para a cura, mesmo assim ela levou o general a ter fé no Deus do profeta. Naamã não tinha apenas um novo relacionamento com Deus, mas a sua associação com Eliseu também mudou. Incrivelmente grato por ter sido curado, Naamã implorou a Eliseu: “Por favor, aceita um presente do teu servo”. Anteriormente, ele estivera furioso que Eliseu não tinha demonstrado deferência a sua posição; mas, após a cura, a arrogância de Naamã tinha se dissolvido o suficiente para que ele se considerasse como servo do profeta. Eliseu sabia que o milagre dizia respeito a Deus e à sua glória, portanto, disse: “Juro pelo nome do Senhor, a quem sirvo, que nada aceitarei”. Naamã insistiu novamente, mas Eliseu recusou (verso 16).

Naamã tinha desprezado as águas lamacentas do rio Jordão anteriormente. Contudo, após sua conversão ele passou a valorizar aquilo que previamente detestava. A coisa mais valiosa para Naamã era agora ter “duas mulas carregadas de terra” (verso 17). O pedido certamente parece peculiar, mas era inteiramente razoável. Alguns acreditam que, quando Naamã retornou ao seu país de origem, sua intenção era erigir um altar no solo da terra de Deus. Portanto, ele estava relegando o Senhor à terra física de Israel. Conquanto isso seja possível, há uma explicação melhor, do próprio Naamã: “... pois teu servo nunca mais fará holocaustos e sacrifícios a nenhum outro deus senão ao Senhor” (verso 17). O pedido por terra não é compreensível sem estar relacionado à conversão de Naamã ao Deus de Israel. Como “comandante do exército do rei da Síria”, ele tinha responsabilidades que não poderiam ser abandonadas; portanto, não era possível a Naamã mudar-se para Israel, e por esse motivo ele queria as “duas mulas carregadas de terra”.

O pedido peculiar de Naamã é fundamentado na noção de “terra santa”, a qual era um componente importante da teologia hebraica. Quando o Anjo do Senhor apareceu a Moisés “numa chama de fogo que saía do meio de uma sarça” (Êxodo 3.2), Deus chamou Moisés do meio da sarça e disse: “Não se aproxime. Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa” (verso 5). Estêvão referenciou esse evento em Atos 7.33, reforçando a verdade de que Moisés estava sobre terra santa. De forma similar, “o comandante do exército do Senhor” apareceu diante de Josué e disse: “Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é santo” (Josué 5.15).

O conceito de “terra santa” deriva de Deuteronômio 32.8, onde é declarado que Deus “deu às nações a sua herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos de acordo com o número dos filhos de Israel”. Após o julgamento dos povos pelo Senhor em Babel, “o Senhor os espalhou por toda a terra” (Gênesis 11.9). Deus efetivamente deserdou as nações vizinhas e reivindicou Israel como sua “porção... a parte da sua herança” (Deuteronômio 32.9). O efeito da deserdação das nações vizinhas foi o equivalente a Romanos 1.18-32, onde é revelado que Deus entregou a humanidade à sua impiedade e injustiça incansáveis.

Naamã poderia ajoelhar-se ao lado de Ben-Hadade, mas seu coração estaria totalmente entregue a Deus. Ele seria leal ao seu senhor, mas não ao deus de seu rei.

Deus determinou um novo começo ao chamar Abrão a um relacionamento de aliança consigo mesmo, resultando na criação da nação de Israel. Como Senhor soberano das nações, Deus providencialmente alocou suas esferas de domínio e ocupação. Israel, como porção de Deus, devia rejeitar as crenças e práticas idólatras das nações ao redor. Israel era, portanto, terra santa; o território das outras nações não era. Mesmo assim, o Senhor Deus chamou Abrão com o propósito de sua nação escolhida ser uma luz para os gentios, por meio da qual ele recuperaria para si todas as nações do mundo.

Naamã refletiu a crença de que Deus dividira todas as terras do mundo, com o território das nações ao redor tendo sido dadas por decreto divino; portanto, sua conversão é o que o motivou a pedir terra. Sua recém-fundada devoção ao Deus de Israel estava relacionada à terra que o Senhor administrava. Naamã retornaria à casa de Rimom, um ídolo adorado pelos sírios de Damasco, e estava pronto para entrar em uma guerra cósmica e geográfica. Ele acreditava “que não há Deus em nenhum outro lugar, senão em Israel” (2Reis 5.15), e estava determinado a voltar para casa com o solo santo. Embora ele devesse auxiliar seu senhor a “adorar no templo de Rimom” e ajoelhar-se (verso 18), Naamã queria “terra santa” como indicação de que ele adorava o único e verdadeiro Deus. Naamã poderia ajoelhar-se ao lado de Ben-Hadade, mas seu coração estaria totalmente entregue a Deus. Ele seria leal ao seu senhor, mas não ao deus de seu rei.

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Ron J. Bigalke (Ph.D., Tyndale Theological Seminary) fundou em 1999 a missão Eternal Ministries junto com sua esposa. Membro da diretoria do Ministério Chamada nos Estados Unidos, Bigalke colabora frequentemente em revistas, livros e artigos para a internet. Além disso, é o editor-geral de quatro obras. Sua ênfase atual está nas áreas de apologética, estudo bíblico, pensamento eclesiástico, historiografia, teoria política e teologia. Casado com Kristin, possui dois filhos.

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