O que vale a pena ser celebrado?

Daniel Lima

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Nestas últimas semanas fomos mais uma vez lançados em uma discussão devido a uma ação de nosso presidente que gerou mais calor do que luz. Por meio do porta-voz oficial, o presidente “determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964”. Este comunicado, é óbvio, levantou uma série de protestos dos mais calorosos aos mais razoáveis.

É forçoso notar que muitos daqueles que de modo tão veemente atacam esta decisão do presidente foram também protagonistas das comemorações em 2017 dos 100 anos da Revolução Russa. Foi realizada inclusive uma sessão na Câmara prestando homenagem àquela que foi descrita como “o momento mais radical da democracia”. Qualquer avaliação da Revolução Russa ultrapassa em muito o espaça deste artigo, nem tampouco me sinto qualificado para fazê-lo; no entanto, o número de perseguições políticas, abusos, assassinatos e atrocidades foi astronômico. É comprovado que tanto o golpe militar como a Revolução Russa deram início a um período de regime autoritário. Regimes assim costumam cometer abusos, não importa qual seja sua intenção. Considerando a duração de um regime e de outro (21 anos no Brasil e quase 100 na história da União Soviética), os abusos e atrocidades cometidas lá ultrapassam de modo abismal os abusos cometidos aqui.

Com isso, não estou defendendo, nem tampouco minimizando, abusos cometidos quer aqui quer acolá, seja por regimes de alinhamento de direita ou de esquerda. Parece-me que este é mais um exemplo em que ideologia passa por cima de justiça. Este é mais um argumento em defesa do cuidado que devemos ter em não tomar partido, para assim manter nosso chamado profético. Como celebrar um movimento que comete abusos? Certamente houveram ganhos, certamente nem tudo foi destrutivo, mas o argumento de que antes era pior, ou de que caso não houvesse este movimento abusos piores seriam cometidos, pode explicar a motivação, mas não constitui uma justificativa. Por isso quero dizer que não torna este ou aquele movimento justo em si. É praticamente impossível, como cristão, celebrar um movimento político sem ressalvas ou denúncias.

É praticamente impossível, como cristão, celebrar um movimento político sem ressalvas ou denúncias.

Existem pelo menos duas possibilidades: você (1) acredita que o golpe militar no Brasil foi um movimento para evitar a instalação de um regime comunista no Brasil, no entanto, é contrário aos abusos; ou você (2) crê que a Revolução Russa realmente foi uma vitória do proletariado, mas entende que os abusos realizados no regime soviético foram verdadeiras atrocidades. Seja de uma forma ou outra, permanece a questão de como celebrar um movimento que está contaminado com a iniquidade? Na verdade, todo movimento político humano vem contaminado com o elemento do pecado intrínseco ao ser humano. O apóstolo Paulo certamente enfrentou situações semelhantes. Em sua carta aos filipenses, no capítulo 1, versos 9 a 11, ele escreve:

9E também faço esta oração: que o amor de vocês aumente mais e mais em conhecimento e toda a percepção, 10para que vocês aprovem as coisas excelentes e sejam sinceros e inculpáveis para o Dia de Cristo, 11cheios do fruto de justiça que vem por meio de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus.

O primeiro pedido de Paulo pelos filipenses (e aqui tomo a liberdade de pensar que ele oraria da mesma forma pelos brasileiros) é que o amor deles aumente mais e mais. Este é um pedido que podemos concordar como discípulos de Cristo. Nosso amor precisa aumentar. Talvez você creia que o amor “deles” precisa aumentar mais que o seu, mas de qualquer forma nosso amor precisa aumentar.

No entanto, este amor não aumenta no vácuo. Paulo pede que o amor aumente em pleno conhecimento e discernimento. Antes de celebrarmos com base em nossa opinião, ou em uma concordância superficial, precisamos de conhecimento e discernimento. Para isso precisamos ouvir, ler, refletir e avaliar. Se não fizermos isso, seguiremos uma paixão momentânea e enganosa (e não amor...), e vamos acabar concordando com algo que deve, por quase qualquer critério cristão, ser rejeitado.

O verso 10 trata exatamente disso. Neste ponto o apóstolo afirma que devemos aprovar as coisas excelentes. Por implicação não devemos aprovar coisas ruins, mas devemos condená-las. E o propósito desta atitude é que sejamos “puros e irrepreensíveis” (NVI). Uma vez mais posso deduzir que se não aprovarmos as coisas excelentes, mas aprovarmos coisas corruptas, não seremos puros ou irrepreensíveis, mas culpados e passíveis de condenação. Paulo conclui sua passagem indicando uma direta relação entre uma postura de pureza e irrepreensibilidade com apresentar frutos de justiça (santidade) a partir de uma íntima comunhão com Jesus.

Antes de celebrarmos com base em nossa opinião, precisamos de conhecimento e discernimento.

Diante deste texto, gostaria de alistar algumas ideias quanto a celebrar movimentos, pessoas ou partidos:

  1. Nosso maior indicador de algo que merece ser celebrado é o amor. (Neste caso não se encaixa como amor os desejos e paixões baseados em prazer pessoal ou utilitarismo.)

  2. Um amor informado a partir de uma profunda avaliação de princípios – em resumo, um amor baseado na verdade – e não uma paixão enganada por pensamentos desvirtuados ou modismos.

  3. Devemos aprovar as coisas excelentes e por implicação rejeitar as coisas corrompidas ou vergonhosas, não importa qual sua ideologia.

  4. Nos comprometemos com aquilo que celebramos. Assim, serei puro e irrepreensível caso aprove coisas excelentes.

  5. O resultado deste procedimento cuidadoso é uma vida marcada pela justiça, por meio de Cristo, para a glória de Deus.

Minha oração por você e por mim é que possamos aprovar aquilo que merece ser aprovado e rejeitar aquilo que deve ser rejeitado, não importa qual sua origem ou qual sua ideologia. Que possamos nos esforçar para que nossa justiça ultrapasse muito a justiça do mundo e não fique oculta no combate de ideologias, partidos e manobras humanas.

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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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