A Ovelha, a Moeda e os Filhos: Parte 1 – Os Ouvintes
Assim como você, e provavelmente toda a população humana, eu às vezes perco alguma coisa. Pode ser algo sem muita importância, como alguma anotação, ou então uma chave, mas a sensação é de muita frustração. Procuro nos lugares comuns, depois procuro de novo nos mesmos lugares, por fim procuro em lugares improváveis. Você provavelmente já passou por isso.
O capítulo 15 do evangelho de Lucas trata justamente do tema de coisas perdidas que foram achadas: uma ovelha, uma moeda e dois filhos. Eu gostaria de convidá-lo a me acompanhar enquanto registro algumas de minhas reflexões sobre esse trecho tão relevante para nossa caminhada com nosso Pai.
Todos os publicanos e “pecadores” estavam se reunindo para ouvi-lo. “Contudo, os fariseus e os mestres da lei o criticavam: ‘Este homem recebe pecadores e come com eles’” (Lucas 15.2).
Como em todo estudo bíblico responsável, precisamos começar pelo contexto. Para quem Jesus falou? No primeiro versículo somos presentados a um cenário que poderia passar desapercebido. Publicanos e “pecadores” se reuniam com Jesus para ouvi-lo. É impossível ler com atenção e não ser impactado pela cena descrita. Publicanos eram coletores de impostos para o império invasor e opressor. Eram aqueles que colaboravam com o inimigo. Se os romanos eram odiados por sua idolatria escancarada, por seus escandalosos hábitos alimentares e de vestimenta e por sua brutalidade, judeus que colaboravam com eles para ganho próprio eram ainda mais desprezados. Pecadores eram basicamente aqueles identificados com práticas imorais e igualmente desprezíveis. Neste grupo seriam incluídas prostitutas, vadios, beberrões, ladrões, muitos deficientes ou doentes e pessoas de má reputação em geral. Seria o tipo de gente com quem eu e você não gostaríamos de ser vistos, ou pelo menos, se fôssemos vistos, seríamos levados a nos explicar.
O que é impressionante para mim é que essas pessoas procurassem Jesus para ouvi-lo. Uma pergunta salta aos meus olhos: o que havia nas palavras ou no modo de Jesus falar que atraia esse tipo de gente? De modo geral, nós, como evangélicos, não atraímos pecadores. Pelo contrário, pessoas de má reputação tendem a evitar evangélicos para não se sentirem mais condenados.
De modo geral, nós, como evangélicos, não atraímos pecadores. Pelo contrário, pessoas de má reputação tendem a evitar evangélicos para não se sentirem mais condenados.
Há um trecho do livro Maravilhosa Graça, de Phillip Yancey, que ilustra essa realidade:
Uma prostituta veio falar comigo em terríveis dificuldades, sem lar, doente, incapaz de comprar comida para si e para a filha de dois anos de idade. Entre soluços e lágrimas, contou-me que estivera alugando sua filha — de dois anos de idade! — a homens interessados em sexo pervertido. Ela ganhava mais alugando sua filha por uma hora do que poderia ganhar ela mesma em uma noite. Tinha de fazê-lo, dizia, para sustentar o vício das drogas. Eu mal aguentava ouvir a sua sórdida história. Havia outra coisa, eu me sentia legalmente responsável — tenho de denunciar casos de abuso contra crianças. Mas naquele momento eu não tinha ideia do que dizer àquela mulher.
Finalmente, perguntei a ela se nunca havia pensado em ir a uma igreja para pedir ajuda. Nunca me esquecerei do olhar assustado que perpassou seu rosto. “Igreja!”, ela exclamou. “Por que eu iria a uma igreja? Eu já me sinto terrível o suficiente. Eles vão fazer que eu me sinta ainda pior.”
É óbvio que essa mulher estava no fundo do poço por qualquer critério. Imoralidade, abuso infantil, dependência química. Ela certamente seria uma “pecadora”. Eu acredito que algo nas palavras de Jesus a fariam parar para ouvi-lo. Jesus não iria concordar com ou aliviar o seu pecado, mas ele lhe traria esperança, ele lhe apontaria um caminho de vida em meio ao ambiente de morte em que ela estava.
Por outro lado, fariseus e mestres da lei, também presentes, o criticavam por seu envolvimento com esse tipo de gente. A motivação destes não era aprender de Jesus, mas, se possível, surpreendê-lo em algum erro do qual pudessem acusá-lo mais tarde. A reação deles era de crítica. Eles não aprovavam o estilo de vida desses pecadores e tampouco aprovavam o envolvimento de Jesus com eles. Eles não tinham nenhum compromisso com a graça, mas unicamente com a Lei.
Jesus não iria concordar com ou aliviar o pecado [da pessoa], mas ele lhe traria esperança, ele lhe apontaria um caminho de vida em meio ao ambiente de morte.
Antes mesmo de começarmos a ler e considerar as parábolas, eu gostaria de convidá-lo a refletir sobre qual é a sua postura diante de pecadores. Você fala de um modo que eles param para ouvir, sem se deixar levar nem para a banalização do pecado nem para a condenação excludente? Ou você se coloca em uma postura de condenação de um pecado evidente? Eu já me vi nos dois lados em diferentes momentos. Já falei com graça e já condenei à distância. Minha oração é que a reflexão sobre essas parábolas nos faça aprender mais com nosso Mestre sobre como lidar com pecado, arrependimento e restauração.