A igreja deve ser relevante?

Daniel Lima

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No famoso desfile de Carnaval no Rio este ano, uma versão distorcida do evangelho foi apresentada. A mim pessoalmente não ofendeu, pois aqueles que fizeram a apresentação estão cegados em seu entendimento pelo príncipe deste mundo. Meu espanto foi com um pastor de renome nacional que fez uma declaração bombástica, defendendo ou buscando encontrar relevância na clara distorção do evangelho.

Não sei por que este pastor, que considero um amigo, ainda que distante, fez o comentário que fez. Talvez ele creia no que disse, o que seria triste pois o afasta da pureza do evangelho. Talvez ele apenas tenha tentado dialogar com a cultura nacional, em especial a cultura do Carnaval. A Palavra afirma que não conhecemos o coração do homem e portanto não podemos julgar motivações (1Coríntios 2.11), mas ela nos convida a fazer julgamentos justos com relação a afirmações (João 7.24).

No entanto, neste artigo eu gostaria de discutir sobre o perigo de tentar, a todo custo, ser relevante. Ser relevante tem sido propagado como uma das tarefas essenciais da igreja e de todo cristão. Por um lado, eu concordo – afinal somos chamados para sermos testemunhas de nosso Senhor Jesus Cristo. O que poderia ser mais relevante do que isso? Por outro lado, há um perigo gigantesco em buscar essa relevância.

O que define relevância? O termo veio da palavra “relevo” ou “superfície”. Uma das definições mais antigas seria “parte saliente de uma superfície plana”. Hoje em dia é mais usado como “aquilo que tem importância ou relevo num contexto determinado; pertinência”.[1] Curiosamente, é relevante – no sentido original – aquilo que se destaca, aquilo que é diferente. No segundo (e mais popular) sentido, relevância é aquilo que é importante em determinado assunto.

Jesus não nos autorizou a modificarmos o evangelho para obter o máximo de relevância. Ele nos chama a viver em amor e a proclamar em verdade.

Diante disso, temos de responder à pergunta: o evangelho é importante na sociedade de hoje? Todo cristão afirmaria que sim, pois trata de nossa relação com Deus, de nosso significado pessoal e de nosso destino eterno. Mas o problema é que o mundo não percebe o evangelho, e, por consequência, não percebe os cristãos como importantes, apenas como diferentes e, com frequência, irritantes. A igreja cristã tem sido considerada irrelevante e nossa mensagem como fantasia ou base de opressão das liberdades individuais.

Ao perceber isso, nossa reação é de tentar explicar a relevância de nossa mensagem ou, ainda pior, tentar modificar a mensagem para se encaixar no diálogo do mundo. Mas aí reside o perigo. Com frequência cristãos não conseguem lidar com a tensão de sermos diferentes, de sermos algo fora do padrão – curiosamente o sentido original de relevância. Queremos ser considerados importantes, queremos ser convidados para nos sentar nas mesas de diálogo e reflexão. Queremos que o mundo preste atenção e nos considere cultos, inteligentes e “conectados” com a realidade, portanto relevantes.

Concordo com esta expectativa, mas é fundamental não deformarmos a mensagem do evangelho para conquistarmos visibilidade ou aceitação. Vejamos com cuidado como Jesus Cristo, aquele que é o próprio evangelho, nos alertou quanto a momentos como este:

16Eu os estou enviando como ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejam astutos como as serpentes e sem malícia como as pombas. 17Tenham cuidado, pois os homens os entregarão aos tribunais e os açoitarão nas sinagogas deles. 18Por minha causa vocês serão levados à presença de governadores e reis como testemunhas a eles e aos gentios. 19Mas, quando os prenderem, não se preocupem quanto ao que dizer, ou como dizê-lo. Naquela hora, será dado o que dizer, 20pois não serão vocês que estarão falando, mas o Espírito do Pai de vocês falará por intermédio de vocês. (Mateus 10.16-20)

Ao enviar seus discípulos, Jesus não pediu que eles se preocupassem em ser relevantes, em dialogar com a cultura ideológica ou religiosa da época; ele pediu que proclamassem seu evangelho. Na verdade, o que ele deu a entender é que seus enviados seriam perseguidos, aprisionados, injustiçados e desprezados. E, é importante destacar, seu testemunho não seria por meio de palavras sábias, mas de palavras fiéis, dadas pelo próprio Espírito Santo.

Em outra passagem muito conhecida (Atos 2.42-47), Lucas afirma que a igreja em Jerusalém, logo no início, gozava da “simpatia de todo o povo”. Esta simpatia não era fruto de um discurso bem afinado com os momentos social e cultural de Israel. Na verdade o povo via e admirava como os cristãos viviam, como demonstravam uma fé viva e sincera. No entanto, é importante que ninguém se engane: um pouco mais adiante, em Atos 13, lemos que:

1Nessa ocasião, o rei Herodes prendeu alguns que pertenciam à igreja, com a intenção de maltratá-los, 2e mandou matar à espada Tiago, irmão de João. 3Vendo que isso agradava aos judeus, prosseguiu, prendendo também Pedro durante a festa dos pães sem fermento.

Algum tempo depois, Herodes, com grande habilidade política, percebeu que perseguir cristãos aumentava sua popularidade entre os judeus (os mesmo que simpatizavam com a igreja no início). Por isso promoveu uma perseguição oficial.

Nosso estilo de vida deve dar testemunho e um discurso fiel atrairá alguns, mas irritará muitos (Atos 17.32). Nossa busca como igreja não deve ser primariamente por relevância, ou provavelmente cairemos em distorções do próprio evangelho. Jesus não nos autorizou a modificarmos o evangelho para obter o máximo de relevância. Ele nos chama a viver em amor, que será nosso testemunho mais poderoso (João 13.34-35), e a proclamar em verdade, o que será libertador (João 8.32).

Minha oração por você, por mim, por meu amigo mencionado acima e por tantos outros líderes que buscam relevância é que nossa vida demonstre o poder de Deus e que nosso falar proclame a verdade dele, e não palavras doces para a cultura atual enquanto infiéis ao Senhor. Somos chamados a ser profetas que anunciam o caráter de nosso Deus e não intelectuais que entretêm um mundo perdido.

Nota

  • Retirado do Dicionário Online Michaelis.
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 25º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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