A Palavra Profética e o Sentido da Vida

O que tem a profecia bíblica a ver com o sentido da vida? Tudo.

A palavra profética da Bíblia não nos revela apenas o que Deus fará no futuro, mas também o que ele fez no passado quando “lan[çou] os fundamentos da terra” (Jó 38.4). Sem a firme palavra profética que “brilha em lugar escuro” (2Pe 1.19) também não saberíamos de onde viemos.

Gênesis 1.26-27 mostra-nos que os seres humanos foram criados à imagem e semelhança do Deus trino. “Então o Senhor Deus [Jeová, o Eterno] formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2.7). E quando o Deus eterno criou o primeiro homem segundo a sua imagem e ele próprio lhe soprou a vida, ele também depositou a eternidade em seu coração. “Deus fez tudo formoso no devido tempo. Também pôs a eternidade no coração do ser humano, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim” (Ec 3.11).

Fritz Rienecker constata que Deus criou o primeiro homem da fina terra do “solo fértil de vegetais do Jardim do Éden em sua configuração paradisíaca”. Deus criou o homem de uma terra anterior à queda no pecado, quando tudo ainda estava bom e, diante do homem criado à imagem de Deus, ele declarou a criação, que até então fora “boa”, como “muito boa” (cf. Gn 1.31). É que então passou a viver naquela criação ainda tão nova uma criatura da eternidade que podia comungar com o Deus eterno e dominar a criação em consenso com ele – e isso era “muito bom”.

Contudo, então ocorreu a queda no pecado, a rebelião. Instigado pela serpente, que é Satanás (Ap 12.9), a criatura criada segundo a imagem do seu Deus, com a eternidade no coração, questionou seu Criador eterno (Gn 3.1). O homem pecou e morreu, embora não de imediato de forma física, mas espiritualmente. Desde então, todo homem está naturalmente morto em pecado (Ef 2.1-3). Todavia, a eternidade no coração permaneceu. Segundo a Bíblia, todo homem pecador continua criado segundo a imagem de Deus (Tg 3.9). O homem foi expulso do Jardim do Éden, do “paraíso” e da comunhão direta com Deus – e desde então a eternidade permanece em seu coração quase como uma lembrança de tempos melhores, entrementes bem distantes no passado.

“O homem foi expulso do Jardim do Éden, do ‘paraíso’ e da comunhão direta com Deus – e desde então a eternidade permanece em seu coração quase como uma lembrança de tempos melhores“O homem foi expulso do Jardim do Éden, do ‘paraíso’ e da comunhão direta com Deus – e desde então a eternidade permanece em seu coração quase como uma lembrança de tempos melhores.”

Os primeiros homens tiveram de deixar a terra em que foram criados, e também tiveram de deixar aquele que os criara. Alguém expressou isso de forma bem acertada assim: “A dor não consiste em termos sido expulsos do paraíso, mas de o termos possuído”.

A palavra profética da Bíblia mostra-nos que a eternidade está no coração de todo ser humano, porque cada um provém de Adão, o primeiro homem, e foi criado segundo a imagem de Deus. Cada um traz em si a “lembrança” do Éden e de Deus, e isso explica muito; na verdade, tudo...

Por que tantas vezes o ser humano anda tão intranquilo? De onde vem a saudade ou a nostalgia ou simplesmente apenas a insatisfação? De onde vem nossos anseios e desejos? A resposta não é apenas “pecado” – o pecado é antes de tudo nossa reação errada a esses sentimentos, não necessariamente e nem sempre o próprio desejo. Na verdade, a resposta é a eternidade em nosso coração.

Mark Buchanan expressa isso assim: “A saudade – esse persistente sentimento de que falta algo – geralmente é diagnosticada e tratada erradamente. [...] Ao longo de toda a vida abraçamos a causa errada, vamos ao lugar errado, comemos a comida errada. Bebemos demais, dormimos demais, trabalhamos demais, tomamos férias demais ou de menos – tudo com a débil esperança de que aquilo acabará por nos satisfazer e acalmar a fome em nós. [...] A surpresa é que Deus nos fez assim. Ele nos fez assim para que ansiássemos por algo – que estejamos sempre famintos por algo que não recebemos, que sempre sintamos falta de algo que não conseguimos encontrar, que sempre estejamos insatisfeitos com o que recebemos, que sempre sintamos um vazio insaciável que nada consegue preencher e que tenhamos uma indomável intranquilidade que descoberta nenhuma consegue sossegar. O anseio em si é sadio – uma espécie de bússola em nós que nos aponta a direção correta”.

Somos criaturas do paraíso e do Deus eterno e é totalmente normal que jamais encontremos satisfação neste mundo caído e no tempo passageiro. É como diz C. S. Lewis: “Quando descobrimos em nós mesmos um anseio que nada neste mundo consegue satisfazer, podemos concluir disso que fomos criados para um outro mundo”.

Nossa origem está num mundo melhor, no paraíso, e nossa meta é um mundo melhor, o paraíso. Disso é testemunha a eternidade em nosso coração, e é o que testifica a palavra profética da Bíblia. O anseio em nós clama em alto som: “Quero chegar a Deus – ao seu mundo, ao seu reino, à sua presença!”.

Por que temos às vezes lembranças que glorificam o passado? Nossa infância? Nossa juventude? Por que ansiamos em voltar para lá? Por que somos tão intranquilos? Por que gostamos tanto de viajar? Por que gostaríamos simplesmente de desligar? Por que muitas vezes desejaríamos simplesmente largar tudo e sumir por aí? Por que existem momentos em nossa vida que desejaríamos preservar para sempre? Por que podemos dedicar-nos tanto aos nossos hobbies? Por que podemos ficar tão doidos por certos alimentos? Por que nos fixamos tanto em nosso cônjuge ou nos nossos filhos? Por que preferiríamos ficar juntos apenas com nossos amigos ou nossa galera? Por que resistimos tanto a mudanças? Por que nos consumimos em nosso trabalho? Ou por que tantas vezes nos instalamos diante da TV? Por que nos refugiamos nos mundos de fantasia de livros, jogos de computador ou filmes? Por que nos distraímos sonhando acordados? Por que podemos viciar-nos em certas coisas?

Porque sempre queremos reter e não soltar aquilo que nos proporciona algum sentimento feliz. O autor de Eclesiastes, porém, diz que tudo neste mundo tem o seu tempo certo (Ec 3.1s). Não podemos reter nada, por mais que queiramos. Nossos anseios e desejos são sintomas – sintomas do nosso anseio pelo próprio Deus e por seu paraíso. Se então mesmo como cristãos sentimos uma certa insatisfação corrosiva, isso não deveria espantar, mas incentivar-nos a buscar aquilo que é do alto (Cl 3.1-3).

Como criaturas, só encontraremos o sentido para a vida em nosso Criador, não no nosso trabalho, não nos nossos hobbies, não em nosso cônjuge nem em nossos filhos ou nossos amigos. Essas coisas são belas, mas passageiras, que Deus nos deu para que o temamos, busquemos e amemos.

Agostinho focaliza isso numa oração a Deus: “Tu nos criaste para ti, e o nosso coração permanece intranquilo até que repouse em ti”. O rei Davi também sabia disso, razão por que disse: “Ó Deus, tu és o meu Deus; eu te busco ansiosamente. A minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta e sem água” (Sl 63.1).

Jonathan Edwards declarou: “Deus é o maior bem da criatura racional e a alegria nele é a única com que nossa alma pode ser satisfeita. Ir ao céu e alegrar-se plenamente em Deus é infinitamente melhor que tudo que há de mais agradável aqui. Pais e mães, maridos, esposas, filhos ou a comunhão com amigos terrenos são apenas sombras, mas a alegria em Deus é o essencial. Aqueles são apenas raios isolados, mas Deus é o sol. Aqueles são apenas riachos, mas Deus é a fonte. Aqueles são apenas gotas, mas Deus é o oceano”.

A palavra profética mostra que neste mundo somos peregrinos, estrangeiros em terra estranha. Aqui não temos direito de cidadania, não temos cidade permanente, mas estamos a caminho da cidade futura e permanente do céu. E é disso que, em última análise, todos os nossos anseios e nossas insatisfações no coração nos lembram. Toda pessoa – quer perceba isso conscientemente ou não – anseia pelo mundo perfeito a partir do qual foi criada, e pelo retorno a Deus, por quem foi criada. E se o buscarmos e procurarmos o seu reino, ele também não se envergonhará de ser chamado de nosso Deus, conforme diz a carta aos Hebreus (cf. Hb 11.13-16).

A palavra profética mostra que neste mundo somos peregrinos e estamos a caminho da cidade futura e permanente do céu.
A palavra profética mostra que neste mundo somos peregrinos e estamos a caminho da cidade futura e permanente do céu.

Por trás das exclamações bíblicas de “Maranata” (1Co 16.22), “venha o teu Reino” (Mt 6.10) e “vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20) está a eternidade em nosso coração, o anseio pelo retorno de Deus e do seu paraíso, o anseio pela ressurreição e a restauração de todas as coisas, o anseio pela fonte da vida. Por isso suspiramos em nós mesmos (2Co 5.2-4) e por isso suspira toda a criação conosco (Rm 8.22) – até que Jesus Cristo retorne e traga consigo o paraíso restaurado (Ap 19-22). A palavra profética da Bíblia testifica que encontraremos o sentido da nossa vida somente se crermos em Jesus Cristo, porque ele é o único que pode libertar-nos dos nossos pecados e nos credenciar para a restauração do paraíso (perdido).

“Aquele que dá testemunho destas coisas diz: ‘Certamente venho sem demora’”. E nós só podemos responder: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22.20).

René Malgo é encarregado do trabalho editorial das revistas da Chamada em alemão. Também é autor e coautor de diversos livros.

sumário Revista Chamada Janeiro 2022

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